Educação Emocional, Pressupostos para a Escola e a Sociedade Pensarem na Perspectiva da Inteligência Emocional

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*Rosimara Gomes da Silva
**Humberta Gomes Machado Porto

Resumo
A Educação é a esperança de transformação de uma sociedade e a principal ferramenta para o desenvolvimento do ser humano. Partindo do pressuposto de uma sociedade emocionalmente instável, enraizada na técnica e que ignora as dimensões emocionais do indivíduo e um acentuado desequilíbrio entre razão e emoção, a Educação Emocional aplicada na escola torna-se uma ferramenta necessária para a formação integral do aluno. Um passo relevante para a solução dos problemas que assolam a humanidade seria reconhecer e dominar os próprios sentimentos e enxergar o outro. O objetivo deste artigo é apresentar ideias para pensar a escola a sociedade sob a perspectiva da inteligência emocional e a adoção de métodos e estratégias para as instituições educacionais desenvolverem nos alunos aptidões emocionais. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica, centrada nas obras de Daniel Goleman (2012), e Howard Gardner (1995), com contribuições de Edgar Morin (2000), Rui Canário (2006) e a teoria de Henri Wallon( 2016 ). A revisão bibliográfica demonstrou que elevar as competências emocionais como: autoconsciência, autocontrole e empatia, possibilitará ao educando saber lidar com sentimentos de raiva, frustração, medo e outras emoções perturbadoras e aflitivas, presentes no cotidiano e contribuirá para à aprendizagem na escola e, consequentemente, para uma cultura de paz na sociedade.

Palavras-chave

Educação. Sociedade. Educação Emocional.

1. Introdução

Não obstante todo o avanço no campo da Ciência e da Tecnologia, o conhecimento e o progresso não foram capazes de trazer bem-estar social e segurança pessoal para o ser humano. Diante de uma sociedade emocionalmente adoecida, ao mesmo tempo que esclarecida e uma escola que reflete os mesmos valores, que traz em seu cerne a técnica, o cálculo, a supervalorização das dimensões cognitivas e racionais em detrimento das dimensões subjetivas e emocionais do aluno. Lidar com as emoções de forma saudável é um desafio que perpassa relações humanas e de ensino aprendizagem e constitui um desafio para a Educação e para a sociedade.

Preparar os alunos para conhecer, para lidar com suas emoções de forma a não ser dominado por ela, exercer a empatia é a chave do enfrentamento deste desafio.

Em meio a uma desenfreada onda de violência que tem atingido as famílias, as escolas e a sociedade e ainda, segundo as estatísticas, um crescente número de adoecimento da mente. Teóricos como Goleman (2012) e Gardner (1995) discorrem sobre a necessidade de elevar o nível de competências emocionais como parte da educação regular.

O objetivo desta pesquisa é elucidar a relevância da educação em inserir em suas práticas pedagógicas, metodologias e estratégias que possibilitem ao educando saber lidar com suas emoções e garantir a ele ensinamentos essenciais para a vida, de forma a promover uma cultura de paz na sociedade.

Este propósito será conseguido mediante a revisão bibliográfica, centrada nas obras de Daniel Goleman (2012), e Howard Gardner (1995), com contribuições de Edgar Morin (2000), Rui Canário (2006) e a teoria de Henri Wallon (2016).

2. Educação emocional, escola e sociedade

Vive-se a era da tecnologia, do entretenimento, da fibra óptica, das conexões, da democratização da informação, de um mundo de possibilidades no campo da ciência. Não obstante todo o avanço tecnológico e científico, segundo Canário (2006), o conhecimento e o progresso não foram capazes de trazer bem-estar social, nem tampouco equilíbrio entre o conhecimento científico e a maturidade social.

Doutor em ciências da educação, professor e pesquisador da Universidade de Lisboa, na , Canário (2006, p. 12) traz profundas reflexões sobre a sociedade e a escola atual.

[…] quanto mais as nossas sociedades se escolarizam, mais se confrontam com problemas de ordens social e ambiental que configuram autênticos impasses de civilização. Verifica-se que há um desequilíbrio acentuado entre o conhecimento científico e técnico que marca as nossas sociedades, por um lado, e, a imaturidade social e política, por outro, expressa na incapacidade de controlar os efeitos indesejáveis do progresso.

Já para o pensador e sociólogo francês Morin (2000, p. 70) o século XX deixou um legado, que consiste na supervalorização da racionalização, a negligência ao indivíduo e a tudo que é inerente a ele. E para superar esse acentuado desequilíbrio, é preciso antes de tudo reconhecer sua herança. Sendo necessária a formação integral do ser humano, capacitando-o nos aspectos cognitivos e emocionais.

O século XX foi o da aliança entre duas barbáries: a primeira vem das profundezas dos tempos e traz guerra, massacre, deportação, fanatismo. A segunda, gélida, anônima, vem do âmago da racionalização, que só conhece o cálculo e ignora o indivíduo, seu corpo, seus sentimentos, sua alma, e que multiplica o poderio da morte e da servidão técnico-industriais.

Segundo dados da OMS, publicados pelo Jornal Folha de São Paulo, a depressão é a maior causa de incapacidade do mundo, e tem uma relação clara com o suicídio, que chega a quase 800.000 pessoas se suicidando por ano no mundo, o que equivale a um suicídio a cada quatro segundos. Diante das estatísticas, as dimensões humanas e emocionais da sociedade não podem mais ser negligenciadas. (PRESSE, 2017)

Segundo as estatísticas, a sociedade traz à tona a todo o momento os problemas de uma humanidade esclarecida ao mesmo tempo que adoecida. Para Morin (2000, p. 70, 71), o desenvolvimento aumentou o “poderio da morte” e consigo a ameaça de extinção global através das armas nucleares, da degradação do meio ambiente, a fuga de problemas emocionais nas drogas. “[…] a morte ganhou espaço em nossas almas. As forças autodestrutivas, latentes em cada um de nós, foram particularmente ativadas, sob o efeito de drogas pesadas como a heroína, por toda parte onde se multiplica e cresce a solidão e a angústia. ”

A escola reflete todo o movimento da sociedade. Na sociedade, como na Educação, falta investimento no ser humano, no que é inerente a ele, como a educação dos sentimentos e das emoções. Por conseguinte, se o progresso intelectual e tecnológico não vier acompanhado de maturidade pessoal e social, não haverá o desenvolvimento pleno do indivíduo.

Para Morin (2000, p. 72) a esperança reside na Educação, “a educação, que é ao mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para receber o novo, encontra-se no cerne dessa nova missão.”

[…] o problema cognitivo é de importância antropológica, política, social e histórica. Para que haja um progresso de base no século XXI, os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas ideias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez. (2000, p. 33)

Ainda para Morin, (2000) a arma capaz de preparar cada um para a lucidez, para assumir a autonomia da mente e não ser guiados por erros, ilusões e decisões inconscientes deveria ser o objetivo primeiro da Educação e ainda alerta para a reforma necessária do pensamento.

Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento. Entretanto, esta reforma é paradigmática e, não, programática: é a questão fundamental da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento. (2000, p. 35)

Diante das profundas reflexões de Canário (2006) e Morin (2000, p.75), sobre a sociedade atual, pressupõe-se a necessidade imprescindível da reforma, sobretudo a do pensamento. Porque tudo deve sua origem ao pensamento que idealiza tudo. “Aquilo que porta o pior perigo traz também as melhores esperanças: é a própria mente humana, e é por isso que o problema da reforma do pensamento tornou-se vital. ” E como a esperança de transformação de uma sociedade reside na Educação, é nela que se joga o futuro.

2.1. A escola no epicentro da mudança

Para tão importante reforma do pensamento nada mais natural que ela comece pela escola, já que a Educação continua sendo a esperança de transformação e desenvolvimento da sociedade e o arcabouço de toda mudança significativa da humanidade. Canário (2006), trouxe inúmeras colaborações de como a escola é hoje, e o que ela pode vir a ser, “a escola é, hoje, obsoleta, sofre de um déficit de sentido”. E desejável que nela se possa aprender para a vida e por meio da vida.

Para ele é fundamental reinventar a organização escolar e construir uma nova legitimidade para a educação e discorre da importância da Educação centrada no aluno, na forma de se relacionar com ele.

A educação do futuro será marcada pela centralidade da pessoa que aprende, o que implica repensar os modos de trabalho dos educadores. É na relação com os alunos (hoje, muitas vezes encarados pelos professores como o seu principal problema), no modo de tratá-los, que se joga o futuro. (2006, p. 49)

Para Canário (2006, p. 13) “A separação da realidade social produziu um efeito de fechamento da escola sobre si mesma, cujos inconvenientes estão bem patentes no desejo recorrentemente manifestado de “ligar a escola à vida”. O que implica em construir uma nova legitimidade para a escola, preparando o aluno para a vida e por meio da vida.

Ainda para Morin (2000, p. 47) “A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal centrado na condição humana. ” E nada mais intrínseco à condição humana e simultaneamente ao aluno do que seus sentimentos e suas emoções. A partir desses pressupostos fica claro a necessidade de preparar o aluno para a vida, inserindo o conceito de inteligência emocional na escola, capacitando-o para perceber e lidar com suas emoções de forma a não ser dominado por ela.

Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. (MORIN, 2000, p. 93)

A emoção é o maior desafio educacional do século. A educação emocional e social é uma chave para o enfrentamento deste desafio. Aprender a lidar com as próprias emoções é fundamental para um pleno desenvolvimento do educando; maximizar o potencial da criança em lidar com suas frustrações, medos, raiva, assim como outras emoções perturbadoras, poderia ser adotado como uma responsabilidade social da escola, não apenas no nível da retórica, mas na prática concreta. Reforçado pela estrutura do sistema educacional.

2.2. O conceito de inteligência emocional

O conceito de Inteligência Emocional foi produzido em 1990 pelos pesquisadores e psicólogos americanos Peter Salovery e John Mayer. No entanto, foi amplamente disseminado em 1995, por Daniel Goleman, psicólogo, escritor e jornalista norte-americano autor do best-seller, “Inteligência Emocional”. Segundo ele, inteligência emocional é a capacidade de identificar os próprios sentimentos e os dos outros, de se motivar e de gerir bem as emoções dentro de si e nos relacionamentos.

Em 1983, o psicólogo Howard Gardner (1995, p. 29) da Universidade de Harward, nos Estados Unidos, lança a ideia de inteligências pessoais em sua teoria das inteligências múltiplas. Dividindo-a e classificando-as em: inteligência interpessoal e inteligência intrapessoal. Na qual ele as define como: “A inteligência interpessoal nos permite compreender os outros e trabalhar com eles; a inteligência intrapessoal nos permite compreender a nós mesmos e trabalhar conosco. ” Para o autor, “ambas apresentam tentativas de resolver problemas significativos para o indivíduo e a espécie. ” E se apresenta como uma importante ferramenta humana, reconhecê-la seria um primeiro passo para ter a chance de resolvê-los.

Para Gardner, (1995, p. 27) “A inteligência interpessoal está baseada numa capacidade nuclear de perceber distinções entre os outros; em especial contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações e intenções. ” Deste modo, ao descrever as inteligências pessoais Gardner (1995, p.28), deixa evidente a importância dessa capacidade humana e a necessidade de desenvolvê-la. E ainda afirma:

O conhecimento dos aspectos internos de uma pessoa: o acesso ao sentimento da própria vida, à gama das próprias emoções, à capacidade de discriminar essas emoções e eventualmente rotulá-las e utilizá-las como uma maneira de entender e orientar o próprio comportamento. A pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um modelo viável e efetivo de si mesma.

Segundo Goleman, (2012, p. 24) a capacidade de controlar os impulsos é a base do caráter, e o autocontrole e a empatia são posições morais indispensáveis na contemporaneidade.

Vivemos um momento em que o tecido social parece esgarçar-se com uma rapidez cada vez maior, em que o egoísmo, a violência e a mesquinhez de espírito parecem estar fazendo apodrecer a bondade de nossas relações com o outro. Aqui, o argumento a favor da importância da inteligência emocional depende da ligação entre sentimento, caráter e instintos morais. Há crescentes indícios de que posturas éticas fundamentais na vida vêm de aptidões emocionais subjacentes.

Hoje, se tem acesso a toda informação de que se precisa e se a solução dos problemas estivesse diretamente ligada ao nível de informação, estaria prestes a resolver as questões mais aflitivas, porque não se acaba com o sofrimento através da inteligência. No entanto é impossível de um momento para o outro racionalizar tudo. Sentimentos como raiva, inveja, ciúme, acompanha o homem desde à pré-história. A inteligência foi desenvolvida por meio do estudo metódico, do trabalho organizado, da mesma forma pode se desenvolver aptidões emocionais, como o entendimento e o controle das emoções.

2.3. Educação emocional na escola

Goleman (2012, p. 25-26) descreve as relações e a sociedade atual num momento de crise, a falta de autocontrole como uma deficiência, uma doença.

No entanto, a doença deve ser o caminho da cura. E a cura consiste em uma abordagem por parte das escolas em educação emocional do aluno.

Se há um remédio, acho que ele consiste na preparação de nossos jovens para a vida. Atualmente, deixamos a educação emocional de nossos filhos ao acaso, com consequências cada vez mais desastrosas. Uma das soluções é uma abordagem da parte das escolas em termos da educação do aluno como um todo, ou seja, juntando mente e coração na sala de aula.

A escola diante dessa nova perspectiva surge como protagonista, deixando de ser nesse sentido secundária para proporcionar ao aluno competências emocionais.

Como a vida em família não mais proporciona a crescentes números de crianças uma base segura na vida, as escolas permanecem como o único lugar a que a comunidade pode recorrer em busca de corretivos para as deficiências da garotada em competência emocional e social. […] como praticamente toda criança vai à escola (pelo menos no início), este é um lugar que pode proporcionar às crianças os ensinamentos básicos para a vida que talvez elas não recebam nunca em outra parte. Alfabetização emocional implica um mandado ampliado para as escolas, entrando no lugar de famílias que falham na socialização das crianças. (GOLEMAN, 2012, p. 294)

Para uma abordagem efetiva por parte das escolas, para proporcionar o desenvolvimento de competências emocionais aos educandos, Gardner (1995, p. 68) afirma ser necessário uma Educação centrada no aluno.

Se esta educação centrada no indivíduo fosse buscada, ela levaria a uma situação feliz – uma situação em que uma crescente porcentagem de alunos encontra seu métier, sente-se bem consigo mesma e tem uma probabilidade maior de se tornar um membro positivo de sua comunidade.

É fundamental que a escola como agente de transformação, tome consciência de seu papel e sua responsabilidade social perante o aluno e a comunidade na qual está inserida. Faz-se necessário educar as crianças e os jovens para as questões emocionais, as práticas morais, para a prática do amor, para a importância do auto amor. Para Goleman (2012, p. 278) “O aprendizado não pode ocorrer de forma distante dos sentimentos das crianças. Ser emocionalmente alfabetizado é tão importante na aprendizagem quanto a matemática e a leitura. ”

A ideia básica é elevar o nível de competência social e emocional nas crianças como parte de sua educação regular — não apenas uma coisa ensinada como paliativo para crianças que estão ficando para trás e que são “perturbadas”, mas um conjunto de aptidões e compreensões essenciais para cada criança.

A proposta da educação emocional é muito mais ampla que a proposta da intelectualização. Sem dúvida o conhecimento intelectual sensibiliza o ser humano, torna ele mais arejado, mais civilizado, culturalmente aberto.

Contudo, isso não é o suficiente para proporcionar o bem-estar social e a saúde emocional. Para Goleman, (2012, p. 295) a perspectiva da educação emocional implica em utilizar a escola como ferramenta para garantir ensinamentos essenciais para a vida.

[…] a alfabetização emocional amplia nossa visão acerca do que é a escola, explicitando-a como um agente da sociedade encarregado de constatar se as crianças estão obtendo os ensinamentos essenciais para a vida — isto significa um retorno ao papel clássico da educação. Esse projeto maior exige, além de qualquer coisa específica no currículo, o aproveitamento das oportunidades, dentro e fora das salas de aula, para ajudar os alunos a transformar momentos de crise pessoal em lições de competência emocional.

Para o intento de se preparar as crianças para a vida, a educação emocional deve ser consolidada, e adquirir o status de vacina para prevenir antes que o problema aconteça e não apenas um paliativo para soluções momentâneas de problemas cotidianos.

Na última década, mais ou menos, proclamaram-se ‘guerras’, sucessivamente, à gravidez na adolescência, à evasão escolar, às drogas e, mais recentemente, à violência. O problema dessas campanhas, porém, é que chegam tarde demais, depois que o problema visado já atingiu proporções epidêmicas […] Em vez de mais “guerras” desses tipos, o que precisamos é seguir a lógica da prevenção, oferecendo às nossas crianças aptidões para enfrentar a vida que aumentarão suas oportunidades de evitar todos esses problemas. (GOLEMAN, 2012, p. 272)

A escola não pode se eximir dos sentimentos, das emoções e de tudo que for inerente ao aluno, como a raiva (que muitas vezes termina em violência), a inveja, a intolerância. Essas questões estão muito presentes no cotidiano das escolas. Se a escola se omitir e negligenciar o aspecto emocional do aluno, o impacto refletirá na qualidade do ensino.

2.4. As emoções na sala de aula

A educação emocional para ser aplicada na sala de aula exige uma refinada capacidade do docente para observar as reações e emoções de seus alunos. As emoções como raiva e o medo são sinais de fumaça que indicam que alguma coisa não vai bem no seu interior. E se forem negligenciadas influenciam na produção de conhecimento que acontecem na sala de aula. Segundo Almeida (2016), o medo impede a aprendizagem. No medo se perde a naturalidade, não se produz conexões mentais e neurológicas, nem o processo de constituição das sinapses.

A forma como as perturbações emocionais podem interferir na vida mental não é novidade para os professores. Alunos ansiosos, mal-humorados ou deprimidos não aprendem; pessoas colhidas nesses estados não absorvem eficientemente a informação nem a elaboram devidamente. (GOLEMAN, 2012, p. 101-102)

Para se entender a dimensão da emoção na sala de aula, Wallon (2011) deixou uma importante contribuição para à educação ao trazer o conceito de afetividade que segundo Salla (2011, p. 4) em resumo quer dizer:

O termo se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

Para Wallon, a afetividade é um dos aspectos centrais do desenvolvimento.

Segundo Almeida (2016), a relação estabelecida na sala de aula deve ser de confiança, pois o aluno precisa confiar no professor em todos os sentidos: intelectual, humanitário e emocional. Essa relação de confiança faz com que o espaço da sala de aula seja afetivo, amoroso, compassivo e sobretudo humanitário.

Ainda para Almeida (2016), o princípio de trabalho do educador, diante de uma criança com dificuldades em lidar com suas emoções, é fazer com que a criança possa ver na sala de aula um ambiente de parceria, colaboração, compaixão, cuidado, amparo e afeto. Se o professor e a escola conseguem mostrar para a criança que a sala de aula e a escola como um todo são diferentes daquele outro mundo da qual ela vem, de perturbações emocionais. A criança pode gostar e se adaptar, passa a ser um elo entre a escola e a transformação que ela pode operar na família dela.

A partir dessa análise, Almeida (2016) deixa claro que o professor na sala de aula, pode criar ambientes terapêuticos onde o caos não existe. Pois na ameaça, e no desamparo, o ser humano, não cresce, não se desenvolve. “[…] o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. ” (MORIN, 2000, p. 20)

2.5. A relação professor-aluno

As relações permeadas pela confiança, afetividade, estímulos positivos, quando são consolidadas entre professor e alunos, trazem inúmeros benefícios afetivos e também nas dimensões cognitivas para ambos, e facilita a aprendizagem. “Os estados de espírito positivos, enquanto duram, aumentam a capacidade de pensar com flexibilidade e mais complexidade, tornando assim mais fácil encontrar soluções para os problemas, intelectuais ou interpessoais. ” (GOLEMAN, 2012, p. 107)

Uma relação cordial, transmite harmonia, alegria, e de acordo com Goleman (2012, p. 108) até auxilia na criatividade. “As vantagens intelectuais de uma boa risada são mais impressionantes quando se trata de resolver um problema que exige uma solução criativa. ” Ainda para Goleman, (2012, p. 137) a relação amistosa entre professor e aluno pode ser medida pela sincronia entre ambos.

A sincronia entre professores e alunos indica a intensidade da relação estabelecida entre eles; estudos realizados em salas de aula mostram que quanto mais estreita for a coordenação de movimentos entre professor e aluno, mais eles são amigáveis entre si, satisfeitos, entusiasmados, interessados e abertos na interação. Em geral, um alto nível de sincronia numa interação indica que as pessoas envolvidas gostam umas das outras.

Para Wallon, “Só se entende uma criança a partir da trama social da qual ela está envolvida. ” (apud ALMEIDA, 2016)

Vídeo retirado do youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4YIp8G466fA. Acesso em: 30 jan. 2018.
. Segundo ele, o professor precisa saber de qual família ela está vindo, como são as relações naquela família, qual o papel daquela criança naquela família, qual o papel daquela família naquele contexto social e assim sucessivamente, os professores não estão dissociados destes mundos nos quais a criança circula ou habita. O professor está intrínseco a esse mundo e precisa cuidar. Pois a partir do conhecimento da realidade do aluno é possível o professor fazer as intervenções necessárias para promover a aprendizagem e a aquisição de habilidades sócio emocionais fundamentais para a vida.

2.6. Ensinando as emoções

Goleman (2012, p. 241), afirma que os comportamentos sociais, a gestão dos sentimentos pode ser aprendida. “Nossas aptidões emocionais não são um fato determinado; com o aprendizado certo, podem ser aperfeiçoadas. Isto está ligado à maneira como o cérebro humano amadurece. ” E fazem da infância o momento certo para serem adquiridas.

Os hábitos de controle emocional repetidos muitas vezes durante a infância e na adolescência ajudam, por si, a moldar esses circuitos. Isso faz com que a infância seja um momento crucial para que sejam moldadas, para toda a vida, as tendências emocionais; os hábitos adquiridos na infância tornam-se fixos na fiação sináptica básica da arquitetura neural e são mais difíceis de mudar em idade mais avançada. (2012, p. 243)

Práticas que objetivem à aquisição por parte do aluno de habilidades emocionais devem ser um dos vieses que constituem o fazer pedagógico. O mesmo já se encontra permeado por emoções, “[…] tomemos consciência da necessidade, urgente, de ensinamentos que objetivem o controle das emoções, as resoluções de desentendimentos de forma pacífica e, enfim, a boa convivência entre as pessoas. ” (GOLEMAN, 2012, p. 249)

Goleman (2012) sugere o estudo da Ciência do Eu, prática pedagógica já experimentada no Centro de Aprendizado Nueva Lengua, escola particular que oferece treinamento modelar em inteligência emocional. A estratégia sugere tratar, na sala de aula, problemas reais, para que o aprendizado não ocorra de forma isolada dos sentimentos; plantar no educando a semente da autogestão, possibilitará ao educando, saber lidar com situações como raiva, frustrações; e manter o autocontrole das emoções perturbadoras e aflitivas, mesmo em momentos difíceis e sob pressão.

De acordo com as demandas da escola, e da sala de aula as práticas pedagógicas precisam necessariamente integrar as emoções. Goleman (2012, p. 282), orienta que se faça uso das tensões e dos traumas da vida cotidiana, no momento em que eles acontecem.

O domínio no campo emocional é difícil porque as aptidões precisam ser adquiridas exatamente no momento em que as pessoas em geral estão menos capazes de receber nova informação e aprender novos hábitos de resposta — quando estão perturbadas. Treiná-las nesses momentos ajuda.

O professor pode atuar como mediador de conflitos, exercer e promover a escuta ativa de ambos os lados. Estar emocionalmente presente, permitir que o aluno fale como se sente, já o ajudará na solução de seus conflitos internos, e com o outro. “Se você conseguir colocar em palavras o que está sentindo, o sentimento fica sob seu controle.’ […]não ter palavras para os sentimentos significa não tomar posse desses sentimentos”. (ROTH apud GOLEMAN, 2012, p. 75-76)

Para Karen Stone McCown (2012), diretora da Nueva:

Quando falamos sobre a raiva, ajudamos as crianças a entender que ela é quase sempre uma reação secundária e a buscar o que está por trás: você está magoado, com ciúmes? Nossas crianças aprendem que sempre há opções para reagir a uma emoção, e quanto mais meios temos para lidar com as emoções, mais rica é a nossa vida. (GOLEMAN, 2012, p. 283)

Dentre os tópicos ensinados na Nueva está a autoconsciência, cujo objetivo é:

[…] reconhecer sentimentos, e montar um vocabulário para eles e ver as ligações entre pensamentos, sentimentos e reações; saber se são os pensamentos ou os sentimentos que governam uma decisão; avaliar as consequências de opções alternativas; e aplicar essas intuições em questões como drogas, fumo e sexo. (GOLEMAN, 2012, p. 284)

Outro tópico abordado no currículo da Nueva é o controle das emoções, “[…] compreender o que está por trás de um sentimento (por exemplo, a mágoa que dispara a raiva) e aprender como lidar com a ansiedade, ira e tristeza. Ainda outra ênfase, é assumir a responsabilidade por decisões e atos e cumprir compromissos. ” (GOLEMAN, 2012, p.284)

Ajudar o educando a obter maior domínio de si mesmo e a empoderar-se de seus desejos, de suas emoções, de seus pensamentos, sonhos e anseios se tornou imprescindível na formação do aluno. Outra abordagem importante mencionada na Nueva é a empatia, aptidão que se tornou fundamental na sociedade, nos relacionamentos e na escola. A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das habilidades mais essenciais ao ser humano e se torna fundamental que seja adquirida ainda na infância.

No fim da infância, surgem os mais elevados níveis de empatia, pois as crianças são capazes de entender a aflição que está além de um acontecimento específico e constatar que a condição ou posição de alguém na vida pode ser um motivo de aflição permanente. Nesse ponto, as crianças podem perceber as circunstâncias de todo um grupo, como os pobres, os oprimidos, os marginalizados. Essa compreensão, na adolescência, pode reforçar convicções morais centradas na vontade de aliviar o infortúnio e a injustiça. (GOLEMAN, 2012, p. 127)

Perceber o outro totalmente diferente de si é um desafio. A compreensão de que o outro, é o outro, não uma extensão de si mesmo, precisa ser estimulada na criança desde a tenra idade. Comportamentos de compreensão e respeito as diferenças devem ser amplamente disseminados na educação. Atitudes de altruísmo, diluem diferenças de pensamento, eliminam conflitos, alimenta a diversidade, enfim, favorece uma cultura de paz.

Uma aptidão social fundamental é a empatia, ou seja, a compreensão dos sentimentos dos outros e a adoção da perspectiva deles, e o respeito às diferenças no modo como as pessoas encaram as coisas. Os relacionamentos são um foco importante, incluindo aprender a ser um bom ouvinte e um bom questionador; distinguir entre o que alguém diz ou faz e nossas reações e julgamentos; ser mais assertivo, e não raivoso ou passivo; e aprender as artes da cooperatividade, solução de conflitos e negociação de compromissos. (GOLEMAN, 2012, p. 284)

Ainda para Goleman, (2012, p. 118) “A empatia é alimentada pelo autoconhecimento; quanto mais consciente estivermos acerca de nossas próprias emoções, mais facilmente poderemos entender o sentimento alheio.”

Dessa forma, um método para estimular a empatia no aluno, é permitir que ele fale como se sente, nomear suas emoções, e consequentemente a partir de uma visão mais ampla sobre si mesmo, conseguirá enxergar o outro e suas emoções com mais facilidade.

Por conseguinte, se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim minhas aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco, […]. (MORIN, 2000, p. 95)

Sobre metodologias que objetivem o ensino das emoções, a teoria Walloniana traz contribuições relevantes. Para Almeida (2016), sob a luz da teoria de Wallon, “o ato motor leva ao ato mental”. O lúdico, o jogo, o material concreto, a manipulação, pode reconfigurar o aprendizado, e levar a criança a lidar com suas inculcações internas. Esse ato motor leva a criança mentalmente se resolver, a diluir os conflitos que de alguma forma são inerentes a condição humana.

Esse novo caminho para levar a alfabetização emocional às escolas insere as emoções e a vida social em seus currículos normais, em vez de tratar essas facetas importantíssimas do dia da criança como intrusões irrelevantes, ou, quando levam a explosões, relegando-as a ocasionais visitas disciplinares ao gabinete do orientador ou do diretor. (GOLEMAN, 2012, p. 279)

Como o exemplo é a maneira simples e eficiente de educar, o professor afetuoso, motivado, apaixonado pelo que faz porque só se transmite algo que se sente na alma, irá inspirar nos seus alunos comportamentos e emoções similares, contribuindo assim pela disseminação de condutas éticas, equilibradas e harmoniosas.

[…] o aprendizado emocional se entranha; à medida que as experiências são repetidas e repetidas, o cérebro reflete-as como caminhos fortalecidos, hábitos neurais que entram em ação nos momentos de provação, frustração, dor. E embora a substância quotidiana das aulas de alfabetização emocional possa parecer banal, o resultado — seres humanos decentes — é mais crítico que nunca para nosso futuro. (GOLEMAN, 2012, p. 279)

À medida que as experiências com o aprendizado emocional vão se repetindo, a educação emocional vai adquirindo consistência e vai se consolidando como um valioso recurso para uma sociedade mais decente, crítica e emocionalmente saudável.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo está cheio de problemas, e uma das possibilidades para ter a chance de resolvê-los é pensar a escola e a sociedade sob nova perspectiva, a da inteligência emocional. Um passo relevante seria reconhecer os próprios sentimentos, as muitas emoções que desencadeiam uma reação, de forma a não ser dominado por ela; perceber o outro tão diferente de si é um desafio que precisa ser superado, sendo que a capacidade de se colocar no lugar do outro, enxergar como ele e não como uma extensão de si mesmo, é uma das habilidades mais essenciais ao ser humano.

A partir da análise realizada, pode-se afirmar que a educação emocional das crianças não pode ser entregue ao acaso, pois as consequências seriam desastrosas. A saída seria uma abordagem por parte das escolas em termos da educação do aluno como um todo, juntando os aspectos cognitivos e emocionais na sala de aula.

A ideia básica é proporcionar ao educando competências básicas para conhecer e controlar suas emoções, a obter maior domínio de si mesmo e a enxergar o outro e suas emoções. Através de estratégias e metodologias que visem inserir inteligência emocional no currículo como parte da educação regular. Dessa forma a educação emocional aplicada na escola é apontada como uma ferramenta para se alcançar uma sociedade emocionalmente saudável e harmônica.

Referências Bibliográficas

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  • SALLA, Fernanda. O conceito de afetividade de Henri Wallon. Nova Escola, [S. l.], out. 2011. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/264/0-conceito-de-afetividade-de-henri-wallon>. Acesso em: 31 jan. 2018.
MINICURRÍCULO DOS AUTORES

*Aluna do curso de Pedagogia do Centro Universitário do Sul de Minas UNIS-MG. E-mail: rosimaragsilva@gmail.com
**Professora do Centro Universitário do Sul de Minas UNIS-MG. E-mail: humbertaporto@yahoo.com.br

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