Amiga Pedagógica Qualificada e Psicopedagogia

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Carla Laudares Mendonça Gomes

Resumo

Este artigo foi escrito como Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com o objetivo de refletir sobre o olhar e a escuta psicopedagógica na atuação da Amiga Pedagógica Qualificada – APQ -, que é geralmente uma psicopedagoga ou professora preparada para realizar um acompanhamento escolar diferenciado e personalizado, de acordo com as necessidades escolares do sujeito aprendente, que geralmente é uma criança ou adolescente.

Palavras-chave

APQ, Acompanhamento Escolar, Olhar e Escuta Psicopedagógica.

Abstract

This paper is part of a thesis of the course for Clinics and Institutional Psychopedagogy. The objective is to show concern about the act of the QPF (Qualified Pedagogue Friend). The QPF is a psychopedagogue or professor who monitors the student behavior at school. QPF works in a differential and personalized service, according to the needs of the student.

Key words:

QPF, scholar monitoring, psychopedagogy

1 – Introdução

Amiga Pedagógica Qualificada – APQ é o termo mais usado para nomear o profissional que atua no atendimento domiciliar de acompanhamento escolar. É um trabalho que tem sido, cada vez mais, procurado pela família e escola e, também, indicado por psicopedagogas, psicólogas, fonoaudiólogas em seus atendimentos. Segundo a criadora deste trabalho, Sônia Moojen, esta demanda “surgiu em 1989, diante da necessidade de atendimento domiciliar a crianças e adolescentes que apresentavam dificuldades escolares e estavam em atendimento emocional”. (1996) Com o passar do tempo, surgiram outras variáveis e, hoje, cresce o número de atendimento domiciliar diante de várias demandas da sociedade atual. Quando se atua nessa atividade, como aluna do curso de psicopedagogia, começa-se a refletir sobre a importância do olhar e da escuta psicopedagógica nos vários aspectos relacionados às diversas questões que envolvem o desenvolvimento cognitivo/emocional da criança e do adolescente que aprende. As relações aprendente e ensinante, os vínculos afetivos familiares e na escola, a maneira como o sujeito que aprende lida com o conhecimento e, especialmente, a questão do desejo relacionado ao aprender. Como a APQ realiza um trabalho personalizado e único para cada cliente, faz-se necessário ressaltar a importância da supervisão pedagógica, psicopedagógica (por meio de grupos de estudos a fim de fomentar o conhecimento entre profissionais) e psicológica (ao promover o autoconhecimento no contexto do setting terapêutico).

2 – A Amiga Pedagógica Qualificada – APQ

Os tópicos iniciais de pesquisa para conhecer e escrever sobre a atividade da Amiga Pedagógica Qualificada foram: a origem da nomenclatura, as principais características do atendimento e o impulso idealizador deste trabalho. Na descrição das etapas do início do trabalho, em 1989, percebe-se que tudo começou com base na atuação de Sônia Moojen em um grupo de supervisão psicopedagógica, na época, formado por 8 pessoas (5 psicopedagogas e 3 estudantes de psicopedagogia), com a demanda de

“necessidade de atendimento domiciliar a crianças que apresentavam dificuldades escolares e estavam em atendimento emocional. As queixas de pais e professores diziam respeito a desmotivação para aprender, desorganização do material escolar e falta de hábitos de estudo que acabavam ocasionando lacunas na aprendizagem.”(SONIA MOOJEN, trabalho apresentado no III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia – São Paulo – 1996)

Percebeu-se que o atendimento psicopedagógico, nem sempre, colaborava para mudanças significativas e viu-se a necessidade de um tempo maior de ajuda pedagógica/psicopedagógica na própria casa do estudante. Foi uma ideia que garantiu bons resultados. O fato de se ter um grupo de supervisão que contou com psicopedagogas experientes, psiquiatra e outros profissionais da área que se reuniram para estudar as demandas de modo geral, relatar e detalhar os casos e situações do atendimento trouxe mais segurança. Porque, ainda, conforme relata Sônia, é muito natural os sentimentos básicos do início do trabalho, como insegurança, angústia perante o novo e desconhecido e medo de errar. Esses sentimentos tornam real a necessidade de se formar parcerias, buscar a formação necessária para a execução de um trabalho de qualidade e que tenha resultados satisfatórios para o estudante e familiares.

Esse contato com Sônia tornou possível conhecer detalhes dessetrabalho que cresce, hoje, especialmente, em Varginha – Minas Gerais – levando sucesso e tranquilidade a estudantes e suas famílias. O sentimento de gratidão das famílias, também, precisa ser registrado, pois é um trabalho personalizado que garante atenção, dedicação, segurança e organização para a vida do estudante e de todos que estão próximos.

É importante e se faz necessário esclarecer que este tipo de trabalho não é o reforço escolar ou aula particular. É um acompanhamento escolar que se origina na dificuldade de aprendizagem, que abrange, em geral, a vida escolar do discente, e que passa por um trabalho de autoconhecimento visto que o sujeito aprendente percebe-se num processo de autoria de pensamento, em que é capaz de reconhecer e desenvolver suas habilidades e competências, virtudes e valores pessoais. Esse trabalho oferece o diferencial sobre o local dos atendimentos. A Amiga Pedagógica Qualificada atende na casa do estudante, com a intenção de observar a ambientação do momento de estudo, a escolha do lugar, a iluminação, a postura do estudante e, enfim, o conforto e acolhida da hora do estudo. Em seguida, ela inicia, com o estudante, a organização da vida escolar. A observação do material escolar, a rotina do estudante, os hábitos de leitura, a escolha de material para complementar os conteúdos que estão sendo estudados em sala de aula, a prática de esportes e até mesmo a alimentação e hora de dormir. O trabalho com jogos é usado na intenção de intervir onde se faz necessário, por exemplo, estímulo para o desenvolvimento da capacidade de planejamento/estratégias, percepção visual, organização, sistematização e etc. É, também, importante o contato com a escola, para que a equipe pedagógica saiba que a criança ou o adolescente estão sendo acompanhados em casa. É necessário ainda estar atenta ao olhar, à escuta e à postura com os familiares. A família fica na expectativa de resultados e espera uma resposta sobre o trabalho realizado. É necessário um diálogo com a família, uma exposição real do que vai ser trabalhado, para saber o que eles esperam deste tipo de trabalho com a APQ. Na atuação da APQ, deve-se colocar, no planejamento, uma reunião mensal com os pais para tratar dessas questões, além de sanar as dúvidas, apresentar um relatório para esclarecimento de como anda o desenvolvimento da criança ou do adolescente. A APQ deve solicitar uma supervisão psicopedagógica para acompanhá-la nos planejamentos. Ainda é importante ressaltar que a estrutura familiar e o estabelecimento dos vínculos familiares são merecedores de sigilo e muita discrição da APQ. A Amiga Pedagógica Qualificada precisa ter uma postura ética e observar a forma de abordagem com a criança ou com o adolescente dentro do seu lar. Com a própria sugestão do nome Amiga, é necessário criar laços afetivos saudáveis e positivos com o estudante para favorecer a condução do trabalho de acompanhamento. O estudante precisa confiar na APQ para ter a liberdade de expressar-se, de criar e de encontrar seu próprio caminho para a aquisição e assimilação do conhecimento. Com todo esse trabalho há uma mudança na vida pessoal do sujeito aprendente.

Ao conhecer e conversar com as APQs, percebe-se que, em Varginha, há interesse pela criação de um grupo em que se possa estudar os casos e as demandas existentes, com supervisão de profissionais das áreas psicopedagógica, psicológica, neurológica, fonoaudiológica e pedagógica na formação de parcerias que tragam formação, segurança e qualidade nos atendimentos.

3 – Sobre as Dificuldades de Aprendizagem e os Vínculos Familiares

A APQ precisa recorrer a estudos e priorizar sua formação continuamente como forma de qualificar-se para abrir-se ao novo, a saberes que vão acrescentando novas formas de atuar e de acompanhar o sujeito aprendente. Alguns dos temas de grande importância nos grupos de estudo e supervisão são as dificuldades de aprendizagem e vínculos familiares. São temas de vastos conceitos. Quando se fala dificuldades de aprendizagem, não se está afirmando ou diagnosticando uma deficiência mental ou orgânica, trata-se de uma condição específica que aponta aspectos que precisam ser trabalhados para se obter melhor rendimento intelectual. Para tratar desse tema são necessários estudos e percepções de vários autores. Alicia Fernández, em seu livro Inteligência Aprisionada, traz uma análise global das Dificuldades de Aprendizagem e provoca uma reflexão sobre a articulação entre inteligência e desejo; entre família e sintoma, onde ela diz:

“O Problema de aprendizagem-sintoma não é uma resposta a um estímulo externo, como um lugar destinado pela família; entretanto, a atribuição do ‘lugar do que não sabe’, se é articulada com uma particular organização organismo-corpo-inteligência-desejo, vai provocá-lo.” (pág. 99)

Os vínculos familiares como uma teia de inter-relações favorecem e promovem a aprendizagem.

Ainda em se tratando de aprendizagem e vínculos afetivos é preciso ressaltar o papel dos ensinantes na vida do sujeito aprendente. Quando pensamos em Fracasso Escolar temos que ter um olhar sensível acerca da relação escola-aluno-professor-família. Muitas vezes, escola e professor rotulam o aluno e profetizam o futuro sem dar chances de defesa. A APQ, buscando apoio na família, precisa atuar junto ao sujeito para que ele consiga se libertar dessas amarras com qualidade e superioridade, sem travar guerras contra todos, mas abrindo espaços de autoria, para a construção do novo, de um novo caminho.

4 – O Olhar e a Escuta Psicopedagógica na Prática da APQ.

Apesar do trabalho da APQ não ser um atendimento psicopedagógico por suas características e objetivos, acredita-se que seja muito útil se a APQ for psicopedagoga, por ela ter conhecimentos que favorecem o acompanhamento da criança e/ou do adolescente. Então, torna-se importante ressaltar aqui sobre o Olhar e a Escuta psicopedagógica, porque favorece a reflexão sobre a postura, a qual Alicia Fernández nomeia de postura clínica, em que o psicopedagogo transita no território desconhecido com um olhar de turista, que chega pela primeira vez, um olhar que busca, que nomeia, que perscruta, que vê além das aparências e escuta o que não foi dito. Esse olhar e escuta no trabalho da APQ muito colabora no relacionamento com a criança e/ou adolescente, nos planejamentos minuciosos das intervenções, na elaboração de relatórios e ajuda nas reflexões com os pais nas reuniões mensais.

Devido à atenção estar voltada para as questões pessoais e únicas da criança e/ou adolescente, o trabalho passa a ser personalizado e, por isso, exige um acompanhamento atencioso para que exista uma resposta positiva que vá realmente fazer diferença na vida escolar do sujeito. Ao elaborar relatórios que passarão pela supervisora psicopedagógica, esta também terá um novo olhar e uma nova escuta com base no que a APQ viu e ouviu. Essa troca enriquece a prática e traz novos saberes.

5 – Considerações Finais

O trabalho da Amiga Pedagógica Qualificada é realizado no dia a dia, um acompanhamento similar a um conta-gotas, em que cada dia se cria uma nova etapa, abre-se um novo espaço de criação e de autoria. Um brilho no olhar, a alegria de uma conquista, a gratidão de uma família são frutos que só são colhidos em reconhecimento de um trabalho com que a psicopedagogia contribui, enriquece com seu olhar e escuta, enobrece com a prática da ética do silêncio e do respeito ao tempo e à hora do sujeito aprendente. Ser Amiga Pedagógica Qualificada é caminhar junto, é conquistar e celebrar a aprendizagem de cada dia, é a troca de saberes, é a troca e partilha de vidas que se entrelaçam.

Referência Bibliográfica

  • MOOJEN, Sônia. Colóquio: Supervisão Psicopedagógica: Reflexões. In: III CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA, VII ENCONTRO DE PSICOPEDAGOGOS. São Paulo, 17 a 20 de julho de 1996.
  • FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada; tradução Iara Rodrigues. – Porto Alegre: Artmed, 1991.
MINICURRÍCULO DO AUTOR

Pós Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Fundação Aprender, Educadora formada na Universidade Estadual de Montes Claros

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