Desafios da Prática Pedagógica em Alunos com Déficit ou Transtornos de Aprendizagem sem um Laudo

Tweet about this on TwitterShare on FacebookShare on Google+Share on LinkedIn
Patrícia Kelly da Costa

Resumo
Um dos maiores desafios da escola é promover a inclusão dentro de um processo de aprendizagem onde todos adquiram e desenvolvam habilidades e competências, sobretudo as crianças que tem dificuldades de aprendizagem. Com base nesse desafio, o presente trabalho analisará e investigará as dificuldades da prática pedagógica em alunos com déficit ou transtornos de aprendizagem sem um laudo e mostrará possíveis procedimentos metodológicos que contribuem para o processo de aprendizagem desses alunos. A pesquisa buscará fundamentar tal objetivo com base em autores que versaram a respeito do tema, entre os quais destacamos Carvalho (2004) e Lockmann (2013), a fim de mostrar que as reais causas que impedem o desenvolvimento cognitivo, bem como as dificuldades da práxis dos professores durante o processo de escolarização do educando com déficit e transtorno de aprendizagem se encontra na falta de laudo médico.

Palavras-chave

Inclusão, aprendizado, transtorno de aprendizagem, laudo médico.

1. Introdução

Sabemos que os desafios educacionais enfrentados pelos professores nos dias atuais são enormes. A diversidade de problemas sociais, afetivos e cognitivos com os quais lidam cotidianamente oriunda dos alunos em suas idiossincrasias torna o espaço escolar um ambiente desafiador.

Segundo a Constituição Brasileira de 1988, precisamente no Artigo 205, a Educação, enquanto “dever do Estado e da família”, deve ser vetor da construção da cidadania ao passo que visa o “pleno desenvolvimento da pessoa” e “sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Percebe-se que é direito constituído o desenvolvimento do educando cujos contornos de objetivo central encontram respaldo nos esforços e esmeros da prática pedagógica do professor. Ao teorizar sobre as perspectivas educacionais no que diz respeito ao papel da escola e do professor, Gadotti (2000) ressalta que a atividade educadora está intimamente ligada às vivências contemporâneas e que não se pode conceber um futuro para a humanidade sem a figura do professor:

Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a educação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da palavra, dos marqueteiros, eles são os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber (não o dado, a informação e o puro conhecimento) porque constrói um sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso, eles são imprescindíveis (2000, p. 9).

O amor ao conhecimento está na verve da atividade do professor cuja atuação carrega importância central na construção de uma sociedade mais justa. No entanto, diante da miríade idiossincrática do alunado, como desenhar a atividade do professor, enquanto mediador do desenvolvimento das competências sociais, afetivas e cognitivas as quais se referem o texto da lei diante dos desafios da contemporaneidade? Esse questionamento não é despropositado. As transformações tecnológicas de que somos testemunhas interferiram não apenas nos avanços dos aparelhos eletrônicos, mas também na vida, nas relações de produção, no comportamento dos indivíduos. Segundo Bauman (2001), tais transformações alteraram os contornos da contemporaneidade e prefiguraram o que o autor cunhou “modernidade líquida”, em que “nada é feito para durar” (BAUMAN, 2001). A efemeridade das convicções e anseios dos indivíduos no seio social se refletiria, guardada a sua relevância social mencionada por Gadotti, na escola e, claro, no professor. Como forma de atenuar os desdobramentos da modernidade líquida, o presente trabalho de conclusão de curso tenciona discorrer a respeito da noção de Inclusão na exata medida em que tal conceito aplicado à Educação poderia suavizar os efeitos desta mesma contemporaneidade em que indivíduos, desenraizados de relações sólidas e expostos pela fragilidade das convicções, tendem ao isolamento e à falta de motivação em sua vida escolar. Dessa forma, reformulemos nosso questionamento inicial: como redesenhar o papel do professor tendo a inclusão como princípio norteador da Educação?

No entanto, quando da observação dos textos legais que tratam da inclusão, nossos questionamentos tendem a aumentar. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, portaria nº 948/2007, atribui às escolas a responsabilidade de receber alunos em toda e plena diversidade cultural, social em suas especificidades cognitiva ou física (BRASIL, 2008). Assim a escola tem que receber o público com deficiência, transtornos e dificuldade de aprendizagem, porém esquece-se de formar e subsidiar teoricamente os profissionais a atender as necessidades específicas desse público.

Instigados pelo preconizado nos textos de lei, voltamos nosso olhar para a atividade docente em busca de vasculhar na literatura especializada como o professor pode, no centro da sua atividade de desenvolvedor de potencialidades latentes, construir uma educação inclusiva ao passo que desconhece as especificidades dos transtornos de desenvolvimento nos seus mais diversos tipos e graus. Tencionamos, portanto, refletir a respeito dos desafios encontrados pelos professores de escolas públicas no ensino da pessoa com transtorno cognitivo com ou sem diagnóstico e com alunos que encontram dificuldades de aprendizagem, mas não possuem um laudo de profissionais da saúde ou da educação que comprove a causa, que sirva de um norte para um processo de aprendizagem.

Situado no campo da Psicopedagogia, o presente artigo busca sua relevância e justificativa no seio da atuação do educador e psicopedagogo ao levantar teorias e princípios que sirvam de atalho para propor uma proposta de resposta ao questionamento acima mencionado, mas reformulado na medida em que, refletindo, vamos afunilando os propósitos do presente artigo. Ao longo do curso, mergulhamos em leituras e discussões enriquecedoras sobre diversos transtornos e déficits que refletem no desenvolvimento do aluno em suas mais diversas esferas. A falta de laudo médico é obstáculo para a formulação de práticas pedagógicas eficientes por parte dos educadores, sendo assim: como redesenhar a atuação do professor/ educador na cadeia idiossincrática dos déficits e transtornos de desenvolvimento que acometem os alunos agravado pela falta de laudo médico, tomando por princípio norteador da Educação a inclusão?

Diante da complexidade do tema abordado, esse trabalho procurará apontar as dificuldades dos professores em desenvolver um plano de aprendizagem para os alunos com transtorno ou com déficit de aprendizagem sem laudo, bem como apresentar as dificuldades dos alunos quando o professor não sabe que processo tomar quando se vê diante de transtornos e déficits por ele desconhecidos. Buscar-se-á, sobretudo, mostrar a importância do laudo médico e psicopedagógico para o desempenho do trabalho do professor.

Para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, partimos do pressuposto de que, embora exista um texto de lei em vigor que regulamente a Educação Inclusiva, a experiência por nós empreendida ao longo de nossa atividade enquanto professora de educação infantil nos possibilita inferir que carecemos de debates e, sobretudo, capacitação do educador no sentido de estabelecer as bases da inclusão no ambiente escolar, tirando-lhe do enquadramento frio característicos dos artigos e incisos da lei e lhe conferindo vida na prática pedagógica da escola.

Um exemplo da importância de nossas reflexões se encontra nos diagnósticos muitas vezes rasos do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (doravante, TDAH). Alunos muito inquietos na sala de aula são vistos pelos profissionais como hiperativos, embora esse termo não classifique com TDAH ou outros com transtorno. Profissionais rotulam alunos colocando os mesmos em risco, visto que há uma grande dificuldade em distinguir hiperatividade de outros problemas que geram a agitação emocional do indivíduo, com isso, o aluno acaba ficando desestimulado, isolando-se dos demais.

A falta de entendimento dos pais, uma família desestruturada e o desiquilíbrio emocional afeta o aluno, seja ele portador de necessidades especiais ou não. É preciso entender que a capacidade de concentração depende, em boa parte, da integridade do sistema nervoso e é por isso que o laudo se torna um instrumento condutivo de positividade para o trabalho pedagógico do professor. O conhecimento científico dos transtornos é necessário para o aparato inclusivo, na medida em que torna os sujeitos desconhecidos, conhecidos, menos escamoteados, mais passíveis de captura e governo (LOCKMANN, 2013).

Saber qual é o transtorno ou déficit que o aluno tem ajuda o professor a entender melhor o aluno e o ajuda a conviver no ambiente escolar e em sociedade. O diagnóstico é de suma importância, pois possibilita ao profissional educador obter informações que podem ser conduzidas e implementadas para melhorar o desenvolvimento escolar do aluno, condicionando-o a dinamizar e deixar as aulas mais atrativas e automaticamente incentivando o aluno a aprender dando ênfase em determinados pontos da aula para o aluno guardar as informações (Idem, 2013).

A dificuldade encontrada por professores da rede pública relacionado a alunos com déficit de aprendizagem se torna maior com o passar dos anos, por mais que a educação tenha alcançado níveis elevados de técnicas, conhecimento para aprimorar o ensino de qualidade, é preocupante as condições sociais e emocionais apresentadas por alunos em sala de aula, alunos com carência emocional sentem dificuldade em aprender, não conseguem se concentrar e, consequentemente, não conseguem aprender.

A ausência de diagnostico impossibilita o professor de aplicar métodos diferenciados de ensino, é por esse motivo que muitas vezes acontece a defasagem, repetência e evasão escolar, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2016 (SILVA; MELETTI; 2014; INEP, 2016). Assim, buscaremos expor as noções de inclusão, bem como condensar o que os teóricos vêm propondo a respeito de práticas pedagógicas que viabilizem uma experiência eficiente de inclusão de indivíduos acometidos por transtornos do desenvolvimento ainda que desprovidos de laudo médico que lhes revele as idiossincrasias.

2. Metodologia

O presente artigo de conclusão de curso foi concebido a partir de pesquisa bibliográfica que visou levantar referências teóricas passíveis de serem encontradas em teses, dissertações, artigos e estudos do amplo espectro acadêmico publicados em meios escritos ou eletrônicos, bem como na tradição especializada sobre o tema. Grosso modo, o que pretendemos é analisar conteúdos de modo a tecer uma linha argumentativa que nos possibilite convergir teorias com o propósito de elucidar a problemática da inclusão na Educação, bem como instrumentalizar o professor com práticas pedagógicas que favoreçam os alunos com transtornos de desenvolvimento não especificados a partir de laudo médico. De acordo com Minayo (2000), tal tipo de análise tem por objetivo “ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo na interpretação e alcançar uma vigilância crítica em relação à comunicação de documentos, biografias, textos literários, entrevistas ou observações”, além de textos de gêneros acadêmicos.

Assim, elaboramos categorias que percorrem uma linha analítica ordenada de acordo com a noção de Inclusão e Educação Inclusiva, para o qual nos valemos de Sassaki (1997), Carvalho (2004) e Cunha e Santos (2007). Cada qual, a seu modo, tratará da noção de inclusão aplicada à Educação, seja através de estabelecimento de um rígido código de conduta na política escolar, seja através de trabalhos que visem a coletividade atuando junto à diversidade. Em seguida, movimentamos os argumentos de Hattge (2014), Lockmann (2013) e Lopes e Veiga-Neto (2010) no intuito de instrumentalizar a performatividade do professor em sala de aula no contato com alunos acometidos por transtornos de desenvolvimento, ainda que sem laudo médico, além de percorrer noções caras ao tema como biopolítica, governamentalidade e in/ exclusão.

Acreditamos que, após percorrer tais noções, sejamos capazes de considerar caminhos e, sobretudo, instigar debates e reflexões futuras sobre tema. Nossas conclusões apontam para a Inclusão como princípio norteador da Educação em tempos de relações efêmeras e fluídas. Medidas inclusivas devem sair das esferas legais e se transformar em valores desenvolvidos por toda a comunidade escolar e seus agentes. Acreditamos que o trabalho na diversidade ameniza a falta de laudo, ainda que tenhamos apontado para a necessidade de profissionais da educação capacitados para realizar diagnósticos iniciais e encaminhar, com propriedade, os alunos que apresentem reiteradas dificuldades em seu desenvolvimento afetivo, cognitivo ou social para os adequados profissionais da área da saúde.

3. Inclusão e Educação Inclusiva

Absteremos de traçar um panorama histórico de como o conceito de inclusão chegou à Educação. O que nos interessa é movimentar o conceito, a fim de conceber instrumentos que venham a nortear a atividade do professor/ educador no sentido de trabalhar na diversidade, congregar alunos com transtornos ou déficits de desenvolvimento para uma interação plena com a comunidade escolar o que, acreditamos, amenizaria a falta de laudo médico.

Tomemos incialmente que interagir não é o mesmo que incluir. Ainda que integremos os alunos com necessidades especiais em salas ditas também especiais na rede regular de ensino, isso não significa que os estamos incluindo. Inclusão pressupõe atividade em conjunto, pressupõe uma adaptação da comunidade escolar – e mesmo da sociedade – em abarcar a diferença, cultivando valores caros à alteridade. Tomemos, portanto, a palavra de Sassaki (1997) que se debruçou sobre esse conceito e o definiu como um modelo novo de estruturação em que a coletividade toma consciência da necessidade de adaptação das relações no intuito de tornar evidente o papel social dos indivíduos portadores de necessidades especiais:

Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papeis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam em parceria equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades (SASSAKI, 1997, p. 3).

Essa adaptação social pode ser perfeitamente efetivada na prática pedagógica da escola. No sentido de equacionar política educacional e o conceito de inclusão de que vimos tratando, Carvalho (2004) sustenta que a escola não pode prescindir de valores que defendam os direitos humanos na busca pela implementação de uma educação que tencione ser inclusiva. Segundo o autor, a escola deve depurar o ambiente de princípios rígidos e que pressuponham a punição, a restrição e a disputa como valores motivacionais aos alunos. Antes, é necessário o “trabalho na diversidade" e em que a convivência é também um conteúdo a ser não só assimilado, mas desenvolvido:

O conceito de escolas inclusivas pressupõe uma nova maneira de entendermos as respostas educativas que se oferecem com vistas à efetivação do trabalho na diversidade. Está baseado na defesa dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência com sucesso em escolas de boa qualidade (onde se aprende a fazer, a ser e a conviver) […] (CARVALHO, 2004, p. 6).

Tentemos agora sair da esfera do inteligível e nos situemos no tangível no que concerne à noção de Escola Inclusiva emprestada de Carvalho (2004). A inclusão precisa ser antes uma prática do que uma abstração. Ela precisa ser identificada no cotidiano escolar, seja nas políticas de ensino, nos conteúdos didáticos, nos métodos adotados pelos professores em sua prática pedagógica e, sobretudo, no comportamento dos alunos sensibilizados que estejam pelo princípio da alteridade, do trabalho em conjunto na diversidade, pela valorização dos direitos humanos. Tais práticas precisam ser voltadas para o trabalho em conjunto, para a cooperação caracterizada por Cunha e Santos (2007) como:

Um trabalho organizado estrategicamente para que os resultados sejam os melhores possíveis, impõem que se definam com rigor um conjunto de regras e que se ensino os alunos a respeitá-las e a cumpri-las. Para o sucesso dessa estratégia é determinante que os professores recebam formação adequada para que se sintam motivados a trabalhar no sentido da cooperação (CUNHA; SANTOS, 2007, p. 35).

Ou seja, iluminados por esses três teóricos, podemos afirmar que a inclusão pressupõe um trabalho equacionado entre política escolar, professores e alunos. Pressupõe uma coletividade imbuída na defesa da cidadania, do ensino de competência em detrimento de conteúdos fragmentados e estanques. Requer, sobretudo, um “conjunto de regras” que sedimentem a vivência partilhada e congregada na heterogeneidade.

No entanto, torna-se necessário apresentar contrapartidas ou diferentes abordagens para um mesmo princípio ainda que não necessariamente antagônicas.

3.1 Estratégias Disciplinares e Biopoder

A contrapartida da questão da inclusão é a sua conotação salvacionista. Como se todos os problemas enfrentados pela Educação hoje pudessem encontrar soluções na proposição da Escola Inclusiva. A noção de governamentalidade é proposta por Michel Foucault em Segurança, território, população (2008) – a descritiva de aulas ministradas no Collège de France entre 1977 e 1978. Todas as medidas solidárias com os princípios humanistas tendem a escamotear pequenas redes de micropoder – no caso de que vimos tratando as características físicas e biológicas são colocadas em evidência. A centralidade das ações inclusivas é de responsabilidade dos considerados normais, os anormais devem agir em conformidade com as atitudes altruístas dos outros. Ou seja, a noção de alteridade – cara à Inclusão – é corrompida pela estratégia biopolítica de poder que, segundo Foucault, trata-se do “conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais e acaba por entrar numa política, numa estratégia geral do poder” (2008, p. 3).

Tangenciado por tal princípio, Lockmann (2013) apresentará a noção de dispositivos disciplinares, ou seja, estratégias que visam “disciplinar os corpos” (2013, p. 135). Nesta medida, os laudos médicos ganham sua notoriedade enquanto vetor que incide sua força para o apontamento das irregularidades biológicas, conferindo legitimidade à disciplinaridade. Sob o imperativo da inclusão, os indivíduos considerados anormais ou que requerem o altruísmo dos considerados normais são escolarizados por meio de um documento que ateste essa diferença.

Passamos, portanto, a conceber o laudo médico como um artefato social que visa instrumentalizar o professor na medida em que legitima a distinção entre normais e anormais. Dito de outro modo, antes de converter a prática pedagógica em medidas inclusivas de trabalho na diversidade, o laudo médico é, em certa medida, segregacionista. Ora, antes de se pensar em inclusão, é necessário haver um cenário de exclusão, de diferença entre dois corpos biossociais. O laudo médico, ao propor medidas que tenham sua origem em campo outro que não o da Educação, tal qual a medicação ou a consulta sistemática de um profissional da saúde tem por intuito normalizar o despadronizado de modo a enquadrá-lo numa situação de inclusão, ou seja, “controlar esses sujeitos, aproximando-os ao máximo do normal” (LOCKMANN, 2013, p. 143).

Ao apresentar e explicar os princípios foucaultianos, Veiga-Neto (2001) ilustra noção de biopolítica através do ditado “duas cabeças pensam melhor do que uma”, afirmando que “trazer duas cabeças para o bem próximo, incluí-las e ordená-las num novo e cada vez mais matizado campo de saberes” é promover uma espécie de interlocução entre experts no intuito de movimentar campos de conhecimento não necessariamente próximos para solucionar determinados problemas da esfera do social.

Essa é, dentre outras possíveis, uma estratégia de governamentalidade que tenciona, dentre outros objetivos, promover o controle do risco social (HATTGE, 2007), em que pode ser inserida a noção de inclusão de que tratamos na secção anterior.

4. Resultado da Pesquisa

Ao longo dos anos as pessoas com necessidades ou dificuldades de aprendizagem foram sendo excluídas ou obrigadas a desenvolver habilidades sem ter nenhuma competência para tal, isso veio se arrastando por um longo período (PESSOTI, 1984). Nossas pesquisas se propuseram a levantar princípios que pudessem nortear a prática pedagógica do professor, entre as quais destacamos a Escola Inclusiva mediada pela biopolítica das relações estabelecidas, primeiro, entre escola, professores e aluno e, depois, entre especialistas de áreas não necessariamente aproximadas, como educadores e médicos, a fim de produzir documentos que contribuam não só para evidenciar a diferença, segregando os alunos, mas torna-los cientes de que só é possível fazer uma ideia completa de nós mesmos a partir do olhar do outro.

A presença do laudo médico foi por nós entendida como um artefato social, na exata medida em que dele escapam sentidos que promovem certa hierarquia das relações, uma polarização dos indivíduos entre os normais e os que se distanciam da anormalidade. Posto isto, cabe ressaltar que sem o laudo médico, o professor se vê diante névoa densa, cercado pelos obstáculos neurológicos que impossibilitam o desenvolvimento dos alunos.

Deste modo, retomemos nosso questionamento inicial que funcionará de diretriz para a mobilização dos conceitos trabalhados até aqui. Como redesenhar a atuação do professor/ educador na cadeia idiossincrática dos déficits e transtornos de desenvolvimento que acometem os alunos agravado pela falta de laudo médico, tomando por princípio norteador da Educação a inclusão?

A noção de Escola Inclusiva emprestada de Carvalho (2010) por si só pode ser encarada como uma medida institucional que tende a amenizar os efeitos dos transtornos de desenvolvimento na medida em que requer dos alunos o trato adequado para com a coletividade em seus matizes de diferentes compleições. O incentivo à “defesa dos direitos humanos”, transforma a biopolítica do ambiente escolar e faz dos próprios alunos vetores da prática pedagógica. Quando norteados pelo princípio da inclusão, instigado pelo “conjunto de regras” ou pelo código de conduta pautado no “trabalho na diversidade” apregoado pela política da própria instituição escola, os alunos atuam no sentido de amenizar os efeitos desta diferença e tendem a auxiliar no desenvolvimento dos colegas acometidos pelos transtornos e déficits.

No que concerne ao Atendimento Especializado Educacional (AEE) presente em grande parte da rede pública de ensino, a Resolução nº 4 (BRASIL, 2009), Artigo 13, se refere às atribuições do professor capacitado para atuar em tais salas nos seguintes termos:

I – identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial; II – elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade; III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais; IV – acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola; V – estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade; VI – orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno; VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação; VIII – estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares.

Tendemos à posição inclusiva na medida em que o disposto nos textos da lei para atuação do professor, ainda que amparado pelo laudo médico, no que se refere às salas de AEE tendem a reforçar os lações hierárquicos na biopolítica escolar ao conferir um espaço marginalizado aos acometidos por transtornos de desenvolvimento.

As medidas sócio-inclusivas, a nosso ver, inviabilizaria a notoriedade da diferença e congregaria os indivíduos em ambiente biopolítico mais ameno e de maior cooperação. Para tanto, acreditamos que algumas práticas que tomam por base o princípio da inclusão deveriam fazer parte do cotidiano do professor que lida com alunos deficitários no desenvolvimento, tais quais:

  1. no início retire do tempo minutos para conhecer esses alunos, observando o seu comportamento diante da turma;
  2. veja como a turma se comporta diante da problemática e da especificidade desse aluno;
  3. promova roda de conversa para que haja uma interação entre todos os alunos, sem distinção;
  4. promova debates com temas de inclusão, chamando a turma para lhe ajudar no processo de escolarização desse aluno;
  5. cada dia escolha um aluno para lhe ajudar com as tarefas que serão desenvolvidas com esse aluno com dificuldade de aprendizagem. Os alunos se envolvem e compartilham saberes, dentro ou fora da escola, é com o desenvolvimento das atividades para obter um melhor desempenho escolar;
  6. toda vez que for iniciar a aula, ou em algum momento da sua aula, introduza assuntos no qual seu aluno com dificuldade de aprendizagem tenha conhecimento ou já desenvolveu tal competência, pra que ele se sinta importante;
  7. descubra o que ele mais gosta e use-o como instrumento ou recurso de aprendizagem;
  8. elabore atividades diversificadas de acordo com o nível cognitivo;
  9. distribua de vez enquanto a mesma atividade passada para os demais para esse aluno, para que ele se sinta igual a todos;
  10. não der especialidades a ele, porque ele facilmente saberá e se incomodará com atendimento afetivo ou atitudinal diferente dos demais.

O projeto de Inclusão pressupõe, portanto, um apelo institucional pelos princípios destacados no presente referencial teórico, se colocando como alternativa a impossibilidade de acesso ao laudo médico por parte do professor.

Considerações Finais

Durante o processo de estudo, aprofundamento teórico e de observação de sala de aula, pode-se perceber que foi visível as dificuldades dos profissionais da educação em trabalhar com as crianças com dificuldade de aprendizagem em séries iniciais do ensino fundamental diante de suas patologias.

Percebe-se que as dificuldades dos professores são maiores do que as dos alunos, os mesmos se apresentam sem nenhuma experiência ou formação acadêmica que lhe condicione a desenvolver um trabalho pedagógico que resulte no aprendizado de seus alunos. Dessa forma, a deficiência não está só no aluno que apresenta dificuldades de aprendizagem cognitiva, está também no educador que não tem propriedade teórica barra embasar o aprendizado dessas crianças.

Desse modo, mesmo que o aluno tenha um laudo ou diagnóstico que mapeie a causa cognitiva que impedem ou dificultam sua aprendizagem, o professor sem embasamento teórico sobre tal, não poderá desenvolver um trabalho de qualidade.

Ressaltamos nesse trabalho a importância do laudo da criança com dificuldade de aprendizagem, porém descobrimos que a aprendizagem é uma via de mão dupla, ou seja, professor dever ter uma formação a para dar procedimento à aprendizagem de seus alunos, e esses alunos devem ter um a laudo para que o professor insira uma metodologia adequada para todas as especificidades.

Portanto, o trabalho obteve resultados positivos identificando vertentes de diferentes ângulos, professor/aluno, se posicionando no lugar de ambos analisando o porquê que aprendizagem não está acontecendo.

Em relação aos desafios da prática pedagógica em alunos com déficit ou transtornos de aprendizagem sem um laudo, conclui-se que ambos são dependentes, porém o aluno requer da acessibilidade da família para providenciar tal exigência que favorece a aprendizagem e do professor em buscar conhecimentos para realizar um trabalho que favoreça a aprendizagem de seus alunos com dificuldades de aprendizagem sem discriminar nenhuma de suas especificidades.

Referências Bibliográficas

  • BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
  • BRASIL. Diretrizes Operacionais da educação especial para o atendimento educacional especializado na educação básica. MEC, SEESP, 2008.
  • BRASIL, Presidência da República. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 15 de fev. 2019.
  • Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em: 15/03/2019.
  • CARVALHO, R. E. Educação inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre: Mediação, 2004.
  • CUNHA, I.; SANTOS,L. Aprendizagem cooperativa na deficiência mental(Trissomia21).Cadernos de Estudo. Porto: ESE de Paula Frassinetti, 5, p.27- 44. Disponível em:< http://repositorio.esepf.pt/bitstream/handle/10000/74/cad5 AprendizagemCooperativa.pdf?sequence=2>. Acesso em: mar. 2019.
  • FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • HATTGE, Morgana Domênica. Performatividade e inclusão no movimento todos pela educação. Tese (doutorado) ‐‐ Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Programa de Pós Graduação em Educação, São Leopoldo, RS, 2014.
  • INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Censo Escolar, 2016. Disponível em: http: portal.inep.gov.br/microdados Acesso em: 25 fev. 2019.
  • LOCKMANN, Kamila. Medicina e inclusão escolar: estratégias biopolíticas de gerenciamento do risco. In: (orgs.) FABRIS, Elí Henn; Klein, Rejane Ramos. Inclusão e biopolítica. Autêntica,2013, P. 129146.
  • LOPES, Maura C; VEIGA NETO, Alfredo. Para pensar de outros modos a modernidade pedagógica. ETD – Educação Temática Digital, v2, n1, Campinas, 2010. P. 147166
  • MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 10 de fev. 2019.
  • ROSA, Ivete Pellegrino. Psicopedagogia clínica: um modelo de diagnóstico compreensivo das dificuldades de aprendizagem. São Paulo: Porto de Ideias, 2009.
  • ROSÁRIO, Maria Conceição do. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Projeto Inclusão Sustentável (PROIS). São Paulo; Ambulatório de TDAH – Unidade Bahia. Disponível em: < https://www.tdah.org.br/wp-content/uploads/site/pdf/tdah_uma_conversa_com_educadores.pdf >. Acessado em: 14/03/2019.
  • SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
  • SILVA, M. C. V.; MELETTI, S. M. F. Estudantes com necessidades educacionais especiais nas avaliações em larga escala: prova Brasil e ENEM. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 20, n. 1, p. 53-68, Jan.-Mar. 2014.
Tweet about this on TwitterShare on FacebookShare on Google+Share on LinkedIn