Sentipensar: Novos Modos de Ser e Estar nas Escolas, nas Famílias e nas Instituições

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Prof. João Beauclair

Resumo

Este artigo é formado por um conjunto de reflexões apresentadas em forma da conferência, com o mesmo título, na V Jornada de Psicopedagogia, promovida pelo Núcleo Sul-mineiro da ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia, no dia 9 de agosto de 2008, em Varginha, Minas Gerais. Trata-se de uma tessitura focada nos desafios presentes em nossa contemporaneidade e em possíveis alternativas para seus enfrentamentos, colocando em destaque os facilitadores movimentos possíveis da Psicopedagogia. A abordagem aqui adotada é a de fazer uso de nossas possibilidades de autoria de pensamento e, com isso, colaborar e empreender processos de tomada de consciência a respeito das necessárias mudanças paradigmáticas, da mudança de nossos olhares e, principalmente, de nossas percepções sobre as demandas presentes nas famílias, nas escolas e nas instituições.

Palavras-chave
Psicopedagogia, Instituições, Mudanças Paradigmáticas.

Abstract

This article consists of a set of ideas presented in the form of the conference, with the same title, the V Journey of Psychopedagogy, sponsored by South-mining center of the Brazilian Association of ABPp Psychopedagogy on August 9, 2008 in Varginha, Minas Gerais. This is a fabric focused on the challenges in the present and possible alternatives for their confrontations, placing emphasis on facilitating the movements of possible Psicopedagogia. The approach adopted here is to make use of our possibilities for authorship of thought and thereby cooperate and undertake awareness-making processes regarding the necessary paradigmatic changes, the change in our eyes and, above all, our perceptions on the demands present in families, schools and institutions.

Keywords

Psychopedagogy, Institutions, Paradigm Shift.

I – O sentipensar: do que se trata?

Sentipensar: uma expressão onde o lugar do sentimento e do pensamento ganha uma corporeidade significativa. Sentimos e pensamos como sujeitos quando, em nossa cotidianidade, nos propomos ao encontrar uma direção e um sentido às nossas ações.

A expressão sentipensar aprendi com La Torre (2001), Catedrático da Universidade de Barcelona, em atentas leituras de textos que me permitiram novas reflexões sobre nossas funções enquanto profissionais de Educação e Saúde, ocupados em lidar com as múltiplas dimensões da aprendizagem humana.

Sentipensar refere-se ao

“processo mediante o qual colocamos para trabalhar conjuntamente o pensamento e o sentimento(…), é a fusão de duas formas de interpretação da realidade, a partir da reflexão do impacto emocional, até convergir num mesmo ato de conhecimento a ação de sentir e pensar”.

TORRE, Saturnino. Sentipensar: estratégias para un aprendizage creativo. (mimeo), 2001.

De acordo com La Torre (2001), sentipensar é fundir e integrar dois verbos essenciais ao nosso movimento existencial: o sentir e o pensar, mas obviamente, indo além disso, propondo-nos a sermos resilientes, persistentes, sujeitos de interatividade e proposições, em busca de comunicação constante, atuantes em nossos campos de ação.

Assim, é válido afirmar que tais verbos, enquanto essenciais ações humanas, podem se complementar: apesar de serem polaridades distintas, temos a clara percepção que, em processos sinérgicos, tais polaridades mesclam-se uma com a outra. Será tal “mesclagem” que poderá resultar na integração de alguns humanos aspectos, tais como emoção, afetividade, amorosidade, corpo e cognição.

A realidade, com seus múltiplos níveis de compreensão, insere tais aspectos num entrelaçamento significativo e o desafio primeiro então, será o de

“compreender o ser humano em sua inteireza, reconhecendo que a identidade humana surge, realiza-se e conserva-se de maneira complexa. Na vida cotidiana, o ser humano atua como um todo, onde pensamento e sentimento encontram-se em holomovimento4, conjugando-se de tal modo que fica difícil saber qual dos prevalece sobre o outro”.

MORAES, Maria Cândida e TORRE, Saturnino de La. Os fundamentos do sentipensar. In: MORAES, Maria Cândida e TORRE, Saturnino de La. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Editoria Vozes, Petrópolis, 2004.

Se aqui novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições são temas a serem discutidos e debatidos, é preciso destacar o enredamento do sentimento e do pensamento em nossas vidas, quando nossa presença se faz consciente e, por diferentes situações, envolve-nos em uma dinâmica processual que amplia a força do diálogo e da partilha no enfrentamento dos desafios de nosso tempo.

II – Desafios de nosso tempo: uma síntese necessária

Os desafios maiores de nosso tempo se refletem em questões ecológicas, sociais, econômicas, culturais e filosóficas. Vivemos um momento civilizacional impregnado pelo mal estar, onde a busca por alternativas ganha dimensão planetária. O modelo de produção dominante, e sua fase de globalização econômica, fizeram emergir, nas últimas décadas, uma crise sem precedentes em toda a evolução histórica da humanidade.

É grande a parcela de sujeitos excluídos dos avanços presentes em todas as aéreas do conhecimento humano e vivenciamos hoje a ampliação da pobreza, da miséria, da fome, da falta de condições mínimas de saúde, da falta de educação de qualidade. Nossa biodiversidade planetária, desrespeitada, encontra-se sofrendo mazelas de todo o tipo e a busca pela sustentabilidade ainda é tarefa emergente, apesar dos esforços de muitas pessoas, empresas e organizações mundiais.

Empenhados em alterar todo este quadro, movimentos em todo o planeta atuam em prol da revisão de paradigmas de exploração dos nossos recursos naturais, construindo outras possibilidades para que tenhamos a oportunidade de ampliarmos nossos dias de mais e melhor vida, apostando na sustentabilidade como prática e procedimento teórico.

Questões amplas, complexas e que nosso olhar não pode deixar de perceber. Somos parte, somos um todo, e estabelecemos com este todo relações plurais, que favorecem nossa constituição como sujeitos humanos e, diante disso, nada do que é humano pode nos causar estranheza.

Se nosso tempo presente lança dúvidas em relação ao nosso futuro comum, tal tempo pode ser (re)construído com uma outra perspectiva, mais sensível ao movimento da teia da vida. Neste sentido, podemos nos posicionar na condição de procurar por novas compreensões, validando nossos anseios de busca por alternativas para a crise que, enquanto civilização planetária, nos deparamos.

São válidos, então, novos modos de fazermos tal movimento. Um deles emerge na compreensão da palavra crise. Tempos atrás, numa pesquisa aleatória, encontrei uma possibilidade interessante de reflexão, ao aprender que o ideograma para a palavra crise, em chinês, significa também oportunidade. Será, portanto, nos momentos de crise, que poderemos encontrar alternativas, enxergarmos possibilidades de resolução de problemas.

No propósito maior de nossas ações, uma outra porta de consciência se abre, pois quando somos provocados pelas agruras da realidade, nossos movimentos internos podem favorecer novas percepções e onde, anteriormente, só era possível ver o problema, agora se observa também, prováveis soluções. Assim, em nossas cotidianidades, poderemos desenvolver originalidades e criatividades até então não pensadas, nem sentidas.

Será deste modo que o sentido maior da palavra crise se transmutará em oportunidade: vivemos, todos nós, num mundo diferente do que existia há vinte anos, visto que as mudanças presentes nos processos comunicacionais afetaram nossos modos de agir, fazer, aprender, ensinar, viver. A sociedade atual se apresenta em transformações profundas e cotidianas, mediante a complexidade e a dimensão planetária dos nossos problemas. Portanto, exige de cada um de nós ao menos uma necessária e permanente conduta: aprender sempre, de modo constante, em todas as situações que vivenciamos em nossas vidas pessoais, em nossas interações com os outros, em nossos ofícios e em nossas instituições.

Aqui reside um outro ponto de partida às nossas reflexões no próximo item: as contribuições da Psicopedagogia em todo este contexto, convocando-nos à construção de relações mais verdadeiras, pautadas na diferença e na pluralidade, na alegria e na motivação e, claro, na ativa participação de todos no processo de criar sentidos e significados para uma nova vida, mais plena e digna para todos.

III – Contribuições da Psicopedagogia: a possibilidade do (re)encontro

De modo muito biográfico, a Psicopedagogia favorece novos pontos de partida aos sujeitos em movimentos por suas aprendizagens e autorias. Na experiência com a formação de ensinantes e de profissionais psicopedagogos ao longo dos últimos anos, tenho feito inúmeras reflexões a respeito das contribuições da Psicopedagogia no contexto citado acima.

O que tenho observado e vivenciado, vivido com a intensidade de produzir novos significados e sentidos ao nosso agirfazer? A Psicopedagogia, quando compreendida como uma EAM (Experiência de Aprendizagem Mediada), acaba por nos convocar à construção de relações mais verdadeiras. Com esse movimento, novos significados elaboramos às nossas trajetórias como aprendentes e ensinantes e, com tal processo, podemos seguir na busca de organização de nossas informações e de nossos conhecimentos, nos conduzindo para melhores momentos de sabedoria nas tomadas de decisão em nossas vidas.

Entretanto, isso não significa afirmar que a Psicopedagogia é a salvação de todas as nossas mazelas, que é a redenção de nossas tantas limitações. Ao contrário disso, com a Psicopedagogia estabelecemos novos olhares para com os distintos modos como operamos a condução de nossas histórias de vida, além de validarmos os momentos outros de nossas próprias biografias: por isso o uso da afirmativa a possibilidade do (re)encontro.

Tempo, linguagem, trabalho, pesquisa, escuta, olhar e registro: sete movimentos essenciais ao desenvolvimento da autoria de pensamento, processo psicopedagógico essencial à formação e assunção da Psicopedagogia como modo de ser e estar sempre aprendensinante em conjugação ativa e (des)organizada1, que vincula nossas vidas nas dimensões:

  1. do cuidado;
  2. do intercâmbio;
  3. da amorosidade;
  4. da construção coletiva;
  5. do fomento ativo à autoria;
  6. da continuada formação;
  7. da pesquisa como processo permanente.

Penso e sinto interesse imenso em propor, num trabalho futuro, a aliança entre os sete movimentos essenciais ao desenvolvimento da autoria de pensamento com as dimensões acima expressas, ampliando relações e reflexões ao criar um conjunto de idéias que entrelacem Tempo e Cuidado, Linguagem e Intercâmbio, Trabalho e Amorosidade, Pesquisa e Construção coletiva, Escuta e Fomento ativo à autoria, Olhar e Continuada Formação, Pesquisa como Processo Permanente e Registro, numa possível contribuição às nossas compreensões sobre os novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições.

IV – Novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições, ou uma (res)significação do já vivido?

Uma ousada proposição: iniciar esta parte do artigo com uma pergunta: Novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições ou uma (res)significação do já vivido? Se acreditamos em um mundo melhor, tarefa nossa deve ser a de recortar/recordar a história e, com isso, buscar novas e surpreendentes facetas de uma realidade que possa se iluminar com outras luzes.

Ressignificar o já vivido pode ser uma rica experiência de visitar tempos idos e, com isso, refletir sobre o que estamos fazendo em nossos dias, imersos num cosmodrama que nos ausenta da importância dos exercícios de reflexão, possibilidade maior de centrarmos nossas ações e dignificarmos nossas vidas.

Por novos modos de ser e estar podemos compreender a aventura humana da convivialidade, da amorosidade, do respeito e da dignidade: a união de novos começos com algumas de nossas conclusões, a união de algumas de nossas (in)conclusões com novos fins. Paradoxalmente nosso tempo, acelerado vertiginosamente, convoca-nos ao movimento temporal e espacial do parar um pouco, impulsionando-nos ao diminuir ritmos, aos acalantos, a paciência, ao sentido pleno da palavra espera.

Nossa contemporaneidade convoca-nos à necessária pausa, que possibilita a beleza da melodia dos sinos que ao vento se situam, criando nossas possibilidades de ações, pensamentos, reflexões, sons de alma. Do absurdo caos urbano à quietude das montanhas, do inquieto mover dinâmico da vida nas grandes metrópoles do mundo ao horizonte observado e sentido numa pequena cidade praiana, carece como nos ensina o poeta, optar.

Optar reside no desejo consciente de saber o que de fato estamos vivendo: refletindo sobre o que nos faz saudáveis ou não, felizes ou não, produtivos ou não, enfim, da vida, o que e como estamos fazendo? Das nossas ações diuturnas, onde está o espaço do lúdico, do prazer, do convívio afetivo, da solidão necessária à criatividade e a construção de sentidos? Que caminhos, rotas e percursos nós vivenciamos em nossas relações com os outros? Que futuro vislumbramos? Que passado valorizamos, que presente estamos nos permitindo viver? Que validações elaboramos para com nossas crianças, nossos adolescentes, nossos jovens, nossos adultos, nossos idosos? Será que nos perguntamos sobre o que eles almejam? Como percebem a dramaticidade do viver e como podem validar suas próprias experiências, sempre únicas, forjadas na subjetividade de cada um de nós e, por isso mesmo, diferente de todas as outras?

Muitas questões como possibilidades de pensar, sentipensar, refletir, compartilhar…

V- Apontamentos para uma conclusão em aberto

É na poesia que tenho encontrado um tempo que possui, em mim, a outorga e o maravilhamento da partilha como busca de sentido e de um tempo mais brando, menos acelerado e que permita a vivência de possibilidades do humano encontro. Fazer alguns apontamentos aqui, como uma síntese possível do que elaborei nos itens anteriores, é chamar atenção para o fato de que um resgate da arte, das dimensões da natureza e da palavra pode sinalizar que necessitamos, todos e todas, de vivenciar novos diálogos, nos sentindo parte do todo e co-autores de uma imensa teia, repleta de vida e fadada, inexoravelmente, a movimentos de religação.

Tenho apostado numa Psicopedagogia Transpessoal, que se faz presente como uma necessidade de construção de abordagens mais plenas, onde formação, autoformação e co-formação ganhem corporeidade a partir da palavra, onde seja possível o aprender, mas que também existam holomovimentos de desaprender e reaprender, indo além das posições científicas puramente cartesianas e mecanicistas, que não nos servem mais como único modo de compreendermos as nossas complexidades presentes no real.

Acredito que podemos apostar numa revolução nova, numa revolução nossa, a partir da palavra, pois com a revolução da palavra poderemos ir além, ganhar novos significados e sentidos. Uma possível revolução da palavra, com a magia da arte, nossa expressão humana mais plena, pode ampliar nossas consciências e reverberar em nossas vidas, pois, como nos ensina Octávio Paz, a revolução da palavra “é a revolução do mundo, e ambas não podem existir sem a revolução do corpo: a vida é arte, o retorno à unidade mítica perdida do pensamento e corpo, homem e natureza, eu e o outro.”

Referências Bibliográficas:

  • ABREU JUNIOR, Laerthe. Conhecimento transdisciplinar: o cenário epistemológico da complexidade. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1996.
  • BEAUCLAIR, João. Do fracasso escolar ao sucesso na aprendizagem: proposições psicopedagógicas. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2008.
  • BEAUCLAIR, João. Ensinar é acreditar. Coleção Ensinantes do presente volume I. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2008.
  • BEAUCLAIR, João. O tempo do (im)possível: novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições. No prelo.
  • BEAUCLAIR, João. “Óia Procê Vê”: realidade, conhecimento e aprendizagem no século XXI. Artigo publicado na Revista Científica Aprender número 01. Disponível no site www.profjoaobeauclair.net
  • BEAUCLAIR, João. Incluir, um verbo/ação necessário à inclusão: pressupostos psicopedagógicos. São José dos Campos: Pulso Editorial, 2007.
  • BEAUCLAIR, João. Educação & Psicopedagogia: aprender e ensinar nos movimentos de autoria. São José dos Campos: Pulso Editorial, 2007.
  • BEAUCLAIR, João. Para entender psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2006. Segunda edição 2007.
  • BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2004. Segunda edição 2006.
  • BEAUCLAIR, João. Olhar, ver, tecer: a busca permanente da teoria no campo psicopedagógico. In.: AMARAL, Silvia (Coord.) Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
  • BEAUCLAIR, João. A questão dos sentidos: modos de pensar (e movimentar) o aprenderensinar nas organizações do século XXI. Constr. psicopedag. [online]. dez. 2007, vol.15, no.12 [acesso 01 Março 2008], p.38-54. Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_
  • MORAES, Maria Cândida e TORRE, Saturnino de La. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação.Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
  • TAVARES, José (org.) Resiliência e Educação. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
  • TORRE, Saturnino de La (direção). Transdisciplinaridade e Ecoformação: um novo olhar sobre a educação. São Paulo: Triom, 2008.
  • TORRE, Saturnino de La. Sentipensar: estratégias para un aprendizage creativo. (mimeo), 2001.
MINICURRÍCULO DO AUTOR

Palestrante, Escritor, Arte-educador, Mestre em Educação, Psicopedagogo, Conselheiro Nacional Eleito, Assessor Regional Minas Gerais e Membro da Comissão de Divulgação da ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia Gestão 2008/2010 homepage: <http://www.profjoaobeauclair.net/>

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