Óia Procê Vê”: realidade, conhecimento e aprendizagem no século XXI

Tweet about this on TwitterShare on FacebookShare on Google+Share on LinkedIn
Prof. João Beauclair

Resumo

Oriundo de um movimento de idéias sobre a questão do ensinar e do aprender nos espaços e tempos institucionais, este artigo faz algumas aproximações entre processos de percepção do real, construção do conhecimento e aprendizagem, a partir de pressupostos teóricos presentes no campo da pesquisa pedagógica. Articulo aqui saberes e experiências essenciais ao ato de educar e demonstrar alguns aspectos fundamentais à reflexão sobre os temas em tela, percebendo os muitos desafios a serem enfrentados na atualidade, para que estejamos imersos, de fato, numa sociedade da informação e do conhecimento.

Palavras-chave

Realidade, Construção do Olhar, Conhecimento, Aprendizagem.

Introdução

Realidade, conhecimento e aprendizagem no século XXI. Três temas de grande importância à ação dos educadores, dos gestores em educação, dos psicopedagogos institucionais e clínicos, enfim, temas de relevância quando se trata de cotidiano escolar.

Faz tempo, dedico meus estudos e escritos sobre a construção do olhar, tema que é recorrente em minha produção teórica e minhas reflexões sobre aprendizagem, educação e psicopedagogia. Aqui, neste artigo iniciado com uma expressão que muito ouvi e vivenciei nos dois últimos anos pela ação psicopedagógica e de docência em cidades no sul de Minas Gerais, “Óia Procê Vê”, faço novas reflexões sobre este olhar, objetivado a compartilhar idéias que possam, talvez, colaborar com a revisão paradigmática que percebemos tão presente em nosso tempo. A partir disso, elaboro uma divisão didática para este texto, elencando algumas anotações sobre realidade, depois sobre conhecimento e por fim aprendizagem no século XXI, elaborando, a posteriori, um pequeno conjunto de reflexões como proposta de conclusão.

Realidade

Digo: o real não está na saída nem na chegada:

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Guimarães Rosa

Para percebermos a realidade e suas complexidades precisamos ter nossas consciências ampliadas com a observação critica do contexto onde, de algum modo, nos inserimos. A análise do real depende dos olhos de quem vê, ou seja, é sempre a partir de nossas vivências que buscamos compreender o que está em nosso entorno. São as experiências que acumulamos através de nossa trajetória aprendente que nos dão suporte para tal movimento, pois essencial é iniciarmos com uma busca de reflexão “sobre o onde estamos, o como estamos e com quem estamos”.

Neste sentido, a tarefa de compreensão deste real faz com que tenhamos que fazer um outro movimento: o da escolha. Ou seja, que instrumentais usarei para tentar compreende-lo? Este é um primeiro passo necessário, pois somente a partir dele podemos dar outros passos, como o de intervir, interferir, sugerir, modificar, propor. Por que afirmo isso? Para olhar, para ver; preciso sempre escolher as “lentes” com que vejo, ou seja, não se pode compreender o real sem uma teoria que o justifique. Afinal, aquilo que existe efetivamente e é real, precisa ser explicado.

À medida que a realidade é contraditória, inacabada, indeterminada, ela possui inúmeros aspectos e formas de percepção, porque é plural e diversa. Tentar compreender o real envolve perceber múltiplos aspectos que o compõem, diferenciando-os e tenha a noção de que tal “percepção perpassa por formação de juízo de valores, por escolhas ideológicas, por modos e formas de ver e compreender o mundo e suas complexas relações.”.

O processo interno que desenvolvemos, então, é de saber que é a nossa inserção com o contexto e meio social que nos dá a capacidade de agir, interagir, viver enfim: é a diferenciação que fazemos entre o que nos é possível a fornecedora de nossas matrizes psicológicas de percepção deste real. A busca pelo conhecimento só acontece quando desejamos compreender a vida e suas complexidades a partir desta diferenciação. Se acomodados com a nossa realidade primeira, nada realizamos e nada fazemos, não seguimos adiante. A insatisfação com o que está posto sempre foi o que moveu o mundo, o que possibilitou um número imenso de avanços, invenções, criações. O humano se constituiu como tal por interagir com o que era dado como real e, ao assim fazer, buscar alterá-lo, mudá-lo, transformá-lo enfim, ou, ao “menos, termos uma maior compreensão de sua dinâmica.”.

A dialética existente entre o real e o que se deseja ser real vincula-se a proposição de compreender tal dinâmica, sempre presente na vida humana. Na trajetória evolutiva de nosso planeta, enfim, na evolução da humanidade, sempre existiram os que desejaram uma outra realidade e inúmeros exemplos históricos poderíamos aqui relacionar. É interessante, entretanto, perceber que em processo de transformações paradigmáticas.

“… o novo é a superação do velho pela sua incorporação e transformação. Está contido no velho como germe e como causa mortis. Destrói o velho, fazendo nascer dele o novo, como a morte da semente faz germinar a planta e a morte da flor germina o fruto…”.

 

Conhecimento

Para conhecer é preciso a investigação e a descoberta, que são geradoras da alegria de aprender. É a curiosidade que faz, refaz, constrói e reconstrói o conhecimento em permanente movimento. A pesquisa, como princípio educativo, fornece inúmeras possibilidades de formação humana e de aprendências.

O conhecimento, percebido como modo de aquisição de repertório de saberes codificados é, antes de tudo, o domínio de ferramentas e instrumentos para a melhoria da qualidade da vida humana, compreendida em suas múltiplas dimensão, em sua integralidade. Compreender o mundo que nos é essencial para o viver com dignidade, e ao assim, desenvolver as nossas inúmeras potencialidades com sujeitos. Conhecer é o prazer de compreender, de interrogar, questionar.

Uma busca perene é o que deve ser a busca pelo conhecimento e, por isso, para conhecer mais e cada vez melhor, precisamos sempre estar em movimento de aprender e aprender, pois novos desafios sempre surgem, fazendo com que tenhamos que reaprender novos conteúdos e desaprender o que não é mais de serventia. Os processos do conhecer sempre serão inacabados e incompletos, em permanente construção: para conhecer é necessário encontrar prazer na própria procura, é buscar sempre novos significados para tal ato humano, percebendo que conhecer “significa penetrar através da superfície, a fim de chegar às raízes e, por conseguinte, às causas; conhecer significa “ver” a realidade em sua nudez”.

Conhecer, talvez seja nosso modo de buscar alguma lucidez em num mundo tão complexo e repleto de idiossincrasias, com tantos desafios para que a vida humana seja valor maior a ser compreendido por todos que exercem alguma forma de poder e influência. Conhecer também pode ser a ampliação do sentido da própria vida. E mais uma vez, recorro à poesia, um trecho de Orides Fontela, para ilustrar este pensar:

(…) a busca do conhecimento não é para nada

e sim VIDA, aqui e agora.

E é esta vida que precisa ser resgatada (…)

…na raiz cega deste espanto/ há um cristal (…)

quem o fitar ficará lúcido para sempre

Aprendizagem

“Quem ensina aprende ao ensinar, quem aprende ensina ao aprender.”. Paulo Freire

Muito escrevemos e falamos, discutimos e ouvimos sobre aprendizagem, este fantástico fenômeno humano, onde a vida ganha sentido e faz com que, enquanto espécie, sigamos adiante. Leituras vinculadas aos novos paradigmas em educação nos mostram o quanto à vida humana é focada na aprendizagem: somos animais que aprendem, constantemente, durante toda a nossa vida.

Aprender é, por isso, energia vital e força maior que conduz nossos atos de sermos e estarmos em interação com os outros, com o mundo e com a herança histórica de nossa humanidade. Aprender é fazer parte de, é interagir com a diferença, é olhar para poder ver, ampliando recursos internos e nossas capacidades de assimilação, acomodação e estruturação, em movimento dinâmico e permanente.

Ensinantes e aprendentes comungam visões de mundo, encontram idéias parecidas e, principalmente, lidam com a diversidade de percepções do real, da realidade que nos é presente. A mudança essencial a ser perseguida neste nosso complexo tempo é buscarmos, então, criarmos novos modos de olharmos para os fenômenos que a vida nos apresenta. A diversidade que encontramos amplia nossas possibilidades de aprender e, por isso, ensinar é desafio sempre novo, visto estarmos inseridos num novo tempo, repleto de estímulos e de veículos agenciadores de informações e conhecimentos.

Com o advento das novas tecnologias de informação e de conhecimento, tal revisão é de extrema urgência. A Psicopedagogia, enquanto campo do conhecimento que surgiu nesta transição paradigmática, busca em seus pressupostos teóricos e em sua práxis, ser elo de ligação entre este dois movimentos: o de ensinar e o de aprender. Penso que os atos humanos de ensinar e aprender são processos vitais na busca constante da conquista e do encantamento da autoria do pensamento, presente no universo da relação entre a magia da vida e a própria vida de cada aprendente, sendo espaçotempo de desenvolvimento de nossa poética existencial, essencial, pessoal, única, singular.

A busca pela ampliação de nosso olhar e de nossas matrizes psicopedagógicas nos auxiliam na revisão de nossas trajetórias de “aprendentes e ensinantes”, nos nossos próprios processos vinculados ao aprender. Evitar rotinas mecânicas e competitivas e superar o excesso de individualidade presente no cotidiano das instituições de ensino pode ser de grande valia nesta reestruturação necessária aos processos de ensinagem, propondo-nos a construção de um cotidiano escolar de fato inclusivo, facilitador da construção de uma nova sociedade que seja, realmente, uma sociedade para todos e inclusiva.

Conclusão: um pequeno conjunto de reflexões como propostas de aprendizagem no século XXI.

Os temas aqui desenvolvidos realidade, conhecimento e aprendizagem são inesgotáveis, pois representam imensas possibilidades de reflexão. Um número imenso de idéias pode surgir quando sobre eles nos detemos, com parcimônia e respeito pela diversidade de opiniões e teorias que existem em suas próprias fundamentações.

Enquanto sujeito envolvido em todas estas questões e com a experiência que venho tecendo em minha cotidianidade profissional, instiga-me profundamente as proposições, ou seja, diante do que está posto, o que podemos mudar, ou auxiliar a mudar. Um pequeno rol de idéias aqui elenco, com este objetivo da proposição ao nosso pensar e agir:

  • Redimensionar nossa própria vida e criar parcerias para projetos comuns;
  • Estabelecer movimentos de entre – ajuda;
  • Instigar vínculos de cooperação e colaboração permanentes;
  • Desenvolver novas habilidades a administração de conflitos e nas situações de problematizações;
  • Lidar com opiniões e pensamentos divergentes com respeito e contra-argumentação;
  • Substituir a competitividade agressiva pela cooperação, para o enfrentamento das exigências presentes no cotidiano institucional;
  • Gerar novos modos de gestão, tanto do conhecimento como de pessoas;
  • Aprofundar referenciais no campo psicopedagógico;
  • Cuidar das relações interpessoais com respeito à diversidade de opiniões;
  • Estimular, nos espaços e tempos institucionais, movimentos de formação de grupo de estudos e de pesquisas sobre temas que são pertinentes as discussões aqui referendadas.

Propostas de ações que talvez possam de algum modo colaborar. O desejo sempre expresso é o de compartilhar. E no fazer novos contatos, possibilidades de interlocução são criadas. Disponibilizo-me, sempre, para tal movimento, então, após esta leitura, faça contato e se expresse.

Referências

  • BEAUCLAIR, João. Olhar, ver, tecer: a busca permanente da teoria no campo psicopedagógico. In: PINTO, Silvia Amaral de Mello e SCOZ, Beatriz Judith Lima et al. (orgs.) Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna. Editora Vozes, Petrópolis, 2004.
  • BEAUCLAIR, João. Mansidão, afabilidade e doçura nas relações humanas: o resgate necessário a partir das instituições. [2005] Disponível em http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0251&area=d1 Acesso em: 10 nov. 2006.
  • Idem.
  • Idem, ibidem.
  • RODRIGUES, Neidson. 1987, p. 17.
  • FROMM, Erich. 1979, p.56.
  • BEAUCLAIR, João. Para Entender Psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros. Editora WAK, Rio de Janeiro, 2006.
  • BEAUCLAIR, João. A coragem essencial: formação pessoal em Psicopedagogia. Disponível em www.profjoaobeauclair.net
  • Neologismo significando ensino-aprendizagem.
  • Aprofundo esta temática em: BEAUCLAIR, João. Incluir: um verbo /ação necessário à inclusão: pressupostos psicopedagógicos. Pulso Editorial, São José dos Campos, 2007 (no prelo).
  • BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Coleção Olhar Psicopedagógico, Editora WAK, Rio de Janeiro, 2004. Segunda edição: 2006.
Minicurrículo do autor

Palestrante, Escritor, Arte-educador, Mestre em Educação, Psicopedagogo, Conselheiro Nacional Eleito, Assessor Regional Minas Gerais e Membro da Comissão de Divulgação da ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia Gestão 2008/2010 homepage: <http://www.profjoaobeauclair.net/>

Tweet about this on TwitterShare on FacebookShare on Google+Share on LinkedIn

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>