Emerson Luiz De Castro
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar as possibilidades de atuação do psicopedagogo na Educação Superior. Por meio de pesquisa bibliográfica, apresenta as peculiaridades deste nível de ensino ao abordar os conceitos de Andragogia e Psicoandragogia. Discorre ainda sobre as dificuldades de aprendizagem nesse âmbito do processo de escolarização. O interesse em pesquisar sobre o tema surgiu de uma demanda identificada no próprio ambiente de trabalho. A prática vivenciada no cotidiano da Coordenação do Curso de Direito de uma Instituição de Ensino Superior levou-nos a conjecturar sobre a necessidade de um psicopedagogo nesse nível educacional. Aliando os conhecimentos adquiridos no Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia com a vivência no Ensino Superior, pretendemos justificar a necessidade de inserção deste profissional na Educação Superior com vistas a contribuir para o sucesso acadêmico de professores e alunos
Palavras-chave
Ensino, Educação Superior, Psicopedagogia, Aprendizagem, Andragogia
Abstract
This article aims to analyze the performance possibilities of psychopedagogists in Higher Education. By means of literature revision, it presents the peculiarities of higher education and approaches the concepts of Andragogy and Psicoandragogy. It also discuss the difficulties of learning in the process of schooling. The interest in study the subject arose from an identified demand in the workplace itself. The experienced practice in the daily coordination of the Law Course for a Higher Education Institution has led us to wonder about the need for psychopedagogists at this educational level. Combining the gained knowledge in the Graduate Course of Educational Psychology with the experience in higher education, we intend to justify the need for such professional in higher education with a view to contribute to the academic success of both students and teachers.
Key-Words
Education, Higher Education, Educational Psychology, Learning, Andragogy
Introdução
Atualmente as discussões e os parâmetros de avaliação da Educação Superior sinalizam para a concepção de uma educação profissional de excelência na qual são exigidas competências e habilidades necessárias aos egressos do Ensino Superior nas diversas áreas do conhecimento, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação.
Em contrapartida à busca de uma educação que atenda aos anseios da sociedade do conhecimento e da informação e dos padrões de qualidade definidos pelo Ministério da Educação, a problemática do desenvolvimento cognitivo dos alunos das instituições particulares é intensificada pela massificação e mercantilização do Ensino Superior por elas oferecido. Pode-se dizer que tais fatores contribuem para o distanciamento da concepção de qualidade, para o insucesso da formação profissional e para a falta de autonomia dos discentes, percebida como o fator crítico de sucesso pelo mercado de trabalho.
Alguns alunos, principalmente os do primeiro ano dos cursos de graduação, apresentam determinadas dificuldades relacionadas à adaptação ao ambiente acadêmico, seja por questões relativas aos conhecimentos construídos na Educação Básica, seja por situação econômica ou por outros motivos que possam ter relação com o cognitivo, o social e até mesmo com o emocional e afetivo.
Diante desta perspectiva, iniciamos uma pesquisa bibliográfica com o objetivo de estudar a atuação do psicopedagogo nessa modalidade educacional para verificarmos as possibilidades de seu trabalho na Educação Superior, com vistas a contribuir para o sucesso acadêmico e profissional dos alunos e diminuir alguns entraves relacionados ao desenvolvimento cognitivo que eles porventura apresentem.
Para contextualizar a pesquisa, abordaremos a Educação Superior segundo os novos paradigmas científicos e as dificuldades de aprendizagem relacionadas aos alunos que nela ingressam, as quais criam verdadeiros quadros de “fracasso escolar” neste nível de escolaridade, o que é ainda pouco estudado e abordado nos textos acadêmicos, conferindo a este artigo sua originalidade.
Contemplando as especificidades da Educação Superior e corroborando com as atualizações e inovações nas teorias a respeito da educação de adultos, destacaremos ainda os conceitos de Andragogia e Psicoandragogia.
Ensino Superior
O Ensino Superior contempla uma educação voltada para a formação profissional cujos educandos são adultos capazes de tomar decisões, fazer escolhas e direcionar suas ações para perseguir seus objetivos. Os alunos são significativamente distintos daqueles da Educação Básica, objeto de estudo dos Cursos de Pedagogia.
Considerando a perspectiva existencial-humanista, o comportamento adulto se concretiza na razão, na liberdade e na responsabilidade. Por meio da razão, o homem desenvolve a consciência, ou seja, a capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo e de saber que conhece (reflexão). Por meio da consciência, ele “se identifica e se afirma como pessoa, como indivíduo distinto e diferente dos demais, como portador de direitos e deveres e como criador de si próprio” (BACH, 1985, p.77).
Segundo Álvaro Vieira Pinto, “a educação é um processo histórico de criação do homem para a sociedade e simultaneamente de modificação da sociedade para beneficio do homem” (PINTO, 1986, p.39). Nesse sentido, para entender a educação deve-se compreender primeiro como se estrutura a sociedade, pois é ela que vai determinar o contorno e a forma de realização do processo educacional.
O modelo neoliberal iniciado no Brasil na década de 80 levou para as Instituições de Ensino Superior a lógica da produção mercantil, ou seja, “o processo resultante de uma nova fase de reestruturação capitalista é marcado por políticas de centralização, de diferenciação e de diversificação institucional e, especialmente, de privatização da esfera pública”. (DOURADO, 2004, p. 236). Nos anos 90 as políticas públicas foram redefinidas causando modificações significativas nos padrões de intervenção estatal, redirecionando mecanismos e formas de gestão bem como políticas públicas, particularmente, as políticas educacionais. O conjunto dessas ações no âmbito educacional resultou na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A Lei nº 9.394 de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional apresenta em seu Capítulo IV um conjunto de princípios que regem a Educação Superior no Brasil, direcionado, de um lado, pelos processos de descentralização e flexibilização e, de outro, por novas formas de controle e padronização por meio de processos avaliativos.
O Ministério da Educação e os órgãos responsáveis pela avaliação do Ensino Superior no Brasil criaram instrumentos e parâmetros norteadores como forma de assegurar padrões mínimos de qualidade, uma vez que o surgimento de Instituições de Ensino Superior encontra-se numa curva ascendente. A tendência nos anos mais recentes continua sendo o aumento da procura pela Educação Superior devido a vários fatores que pressionam as transformações da sociedade brasileira.
Em 2004, com a publicação da Lei nº 10.861 que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES – diversificados parâmetros, insumos e instrumentos foram normatizados com a finalidade de promover a melhoria da qualidade da Educação Superior no Brasil, a orientação de expansão da sua oferta, o aumento permanente de sua eficácia institucional, de sua efetividade acadêmica e social e, especialmente do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais. O SINAES integra três modalidades de instrumentos de avaliação, aplicados em momentos diferentes: Avaliação das Instituições de Educação Superior (AVALIES), Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) e Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE).
Diante do exposto, acredita-se que o conceito de qualidade do Ensino Superior está vinculado à definição de seus objetivos expressos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e assegurados pela avaliação da qualidade pelo Ministério da Educação. Se estes são consistentes, atendem às aspirações da formação do sujeito em sua plenitude e aos anseios da sociedade, constituindo vetores precisos para uma educação com qualidade.
Nesse sentido, os cursos e demais atividades de uma Instituição de Ensino Superior brasileira terão qualidade desde que tornem realidade as finalidades propostas no artigo 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 para a Educação Superior, entre as quais estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo. Nessa perspectiva, a avaliação da qualidade está atrelada a uma filosofia da educação, que pode assumir características distintas no tempo e no espaço, em razão da historicidade dos fins educacionais.
O que a legislação supõe é que o adulto aprendiz requer uma filosofia educacional específica, com métodos peculiares, para potencializar os objetivos educacionais expressos nas Diretrizes Curriculares Nacionais e corroborados nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação ministrados nas instituições de ensino superior.
Esta filosofia se consubstancializa na “Andragogia”, conceito que surgiu na década de setenta como teoria específica de educação de adultos no contexto de uma perspectiva educacional permanente e continuada ao longo da vida, exigindo reflexões e propostas para um novo público que passaria a integrar os sistemas de ensino de maneira formal ou informal.
A palavra Andragogia, de origem grega – andrós, homem e gogos, guiar ou conduzir – refere-se à educação dos adultos, em oposição à Pedagogia, ciência da educação de crianças. Segundo Cavalcanti e Gayo,
“o vocábulo “Andragogia” foi inicialmente utilizado por Alexander Kapp (1833), professor alemão, para descrever elementos da Teoria de Educação de Platão. Voltou a ser utilizado por Rosenstock (1921), para significar o conjunto de filosofias, métodos e professores especiais necessários à educação de adultos. Na década de 1970, o termo era comumente empregado na França (Pierre Furter), Iugoslávia (Susan Savecevic) e Holanda para designar a ciência da educação de adultos. O nome de Malcolm Knowles surgiu nos Estados Unidos da América, a partir de 1973, como um dos mais dedicados autores a estudar o assunto. Pierre Furter definiu Andragogia como a filosofia, ciência e a técnica da educação de adultos. (CAVALCANTI e GAYO, 2004/2005, p. 45)
Tal conceito foi elaborado no decorrer das últimas décadas do século XX, a partir da Filosofia e da Antropologia, relacionado à necessidade de uma educação permanente desenvolvida por meio de uma práxis fundamentada em princípios de participação e horizontalidade, com mudanças no papel do professor, que passa a ser encarado como um “facilitador de aprendizagem” permitindo incrementar o pensamento, a autogestão, a qualidade de vida e a criatividade do participante adulto, com o objetivo de que alcance sua autorrealização.
Se analisarmos a situação atual do ensino superior no Brasil sob esse ângulo, vemos que muitos dos problemas existentes na educação de pessoas adultas estão associados com a adoção de um modelo pedagógico, isto é, os alunos adultos são tratados utilizando-se recursos da Pedagogia, que é o estudo do processo de aprendizagem de crianças, voltado para seres imaturos e heterônomos.
A Andragogia, pelo contrário, é uma metodologia que busca promover o aprendizado da autonomia por meio da experiência, fazendo com que a vivência estimule e transforme o conteúdo, impulsionando a assimilação dos conteúdos. O adulto aplica os conhecimentos construídos: é o aprender através do fazer, o “aprender fazendo”. O processo de ensino e aprendizagem, do ponto de vista andragógico, procura tirar o máximo proveito das características peculiares dos adultos para que os resultados deste processo culminem numa aprendizagem mais fácil, profunda e criativa levando em consideração as experiências dos educandos e seja relevante para as práticas cotidianas.
Atualmente a nova configuração da sociedade, cujo conhecimento está ancorado no acesso instantâneo às informações, exige competências que corroborem com estas expectativas. Hoje, a humanidade vive num cenário indiscutivelmente diferente e complexo. O rápido desenvolvimento do mundo do conhecimento bem como a expressividade da dicotomia entre o pensar e o fazer neste universo contemporâneo proporcionam o surgimento de um novo contexto educacional. A educação firmou-se como um instrumento imprescindível para exploração e interpretação demandadas por esse novo cenário. O acúmulo de saberes e conhecimentos adquiridos ao longo dos anos acadêmicos não é mais suficiente para a interação com este novo paradigma social e educacional. Fazem-se necessários o desenvolvimento de habilidades mobilizadoras e articuladoras dos conhecimentos construídos em sala de aula e a prática da realidade do mercado de trabalho e do cotidiano em geral.
A adoção de um modelo de ensino pautado na Andragogia, assim como a inserção do psicopedagogo no ensino superior parecem ser as vias para que os anseios das pessoas que ingressam nestas instituições sejam atingidos plenamente, contribuindo, desta forma, para o alcance dos Quatro Pilares da Educação e seu Papel no Desenvolvimento Humano, propostos pela UNESCO e ratificados pelo governo brasileiro em acordos internacionais:
- Aprender a conhecer;
- Aprender a fazer;
- Aprender a conviver;
- Aprender a ser.
Dificuldades de aprendizagem no Ensino Superior
A questão do insucesso escolar está presente em todos os níveis educacionais e não diz respeito somente às dificuldades do desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem na Educação Básica, como a Psicopedagogia vinha estudando. Almeida e Silva apontam para a necessidade de uma mudança de pontos de vista a este respeito:
“A literatura indica a ação psicopedagógica voltada primordialmente para a etapa da infância, o que é desejável considerando-se uma abordagem preventiva. Porém, pouco tem-se avançado na criação de propostas alternativas de intervenção para adolescentes e adultos jovens, pessoas que, de alguma forma, conseguiram prosseguir em sua carreira acadêmica, apesar dos obstáculos encontrados no percurso,mas que em determinado momento sentem-se incapazes de continuar sem auxílio.” (ALMEIDA e SILVA, 2005, p. 46)
Há, na Educação Superior, a ideia de que o educando chega a esse nível educacional com autonomia que o torna capaz para enfrentar os desafios surgidos na academia. Essa concepção, porém, não pode ser a norteadora de uma visão psicopedagógica no âmbito acadêmico, visto que nessa modalidade educacional os educandos também apresentam demandas específicas relacionadas aos vínculos com a aprendizagem, com os docentes e com os colegas de classe. Segundo Bortolanza,“integrar-se num grupo, assimilar e assumir uma cultura universitária é uma tarefa complicada para os estudantes. Os jovens enfrentam dificuldades em vários níveis sociocognitivos e dilemas interiores, os quais, não raro, os fazem parar de aprender”. (BORTOLANZA, 2002, p.57)
Vários são os fatores que irão influenciar na construção dos conhecimentos em sala de aula e no processo educacional como um todo: os legados da Educação Básica, os conflitos e dilemas de cada um e, em se tratando de instituições particulares de ensino superior, a problemática das questões financeiras e a divisão dos estudos com a obrigatoriedade da manutenção da empregabilidade.
Atualmente é cada vez mais crescente a preocupação das Instituições de Ensino Superior com o processo de ensino e aprendizagem, diante das dificuldades constatadas em sala de aula. Considerando que o Ensino Superior responde pela formação de profissionais cada vez mais especializados, flexíveis e adaptáveis à nova configuração social e que as instituições devem desenvolver formas de atuação para o atendimento a esta nova realidade, Edna Barberato Genghini descreveu os fatores que interferem no rendimento escolar. Segundo a autora, as dificuldades de aprendizagem acontecem em diversos âmbitos, a saber:
No âmbito pessoal, os fatores que alteram o processo de produção acadêmica e/ ou a inexistência de um serviço de apoio ao estudante universitário deixam o aluno vulnerável às pressões decorrentes do Ensino Superior: ele se sente inoperante e sem condições para vencer as dificuldades que julga ser exclusivamente de aprendizagem ou de sua responsabilidade, prejudicando sua formação e crescimento pessoal e profissional;
No âmbito institucional, os sintomas manifestos de dificuldades de aprendizagem – baixo rendimento nas avaliações disciplinares, falta de motivação para acompanhar o ritmo das aulas e executar as atividades, pesquisas, laboratórios entre outras atividades próprias ao trabalho universitário – comprometem o processo de produção acadêmica, a articulação entre alunos, professores, coordenadores, estendendo-se à organização teórica e prática da administração das aulas e dos cursos, influindo na avaliação do corpo docente, podendo prejudicar a Instituição de Ensino Superior no momento da avaliação no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes;
No âmbito legal, o baixo rendimento escolar em alunos universitários dificulta e, em alguns casos até pode inviabilizar o cumprimento, por parte das Instituições de Ensino Superior, das exigências:
- Constitucional: a Constituição de 1988, artigo 206, inciso II, que proclama o princípio básico da ação educativa “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, bem como através do artigo 207, que atende ao disposto no art. 52 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, de que as universidades “obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”;
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, Capítulo IV – Da Educação Superior, artigo 43, incisos I a VII, que tratam da finalidade da educação superior.
No âmbito social, deixar o fenômeno crescer e se expandir, negando-lhe a existência em nossas instituições é o mesmo que ir à contramão da política para o Ensino Superior brasileiro, ante os desafios do novo século, que vinculam diretamente os resultados do desenvolvimento econômico e social de uma nação à qualidade e à expansão da educação e cultura, que implicam o acompanhamento das evoluções da tecnologia, e das mudanças sociais e do mercado do trabalho, num mundo de economia globalizada. (GENGHINI, 2006, p. 23)
Levando em consideração os fatores elencados por Genghini, as dificuldades de aprendizagem no ambiente acadêmico podem configurar insucessos por parte da Instituição de Ensino Superior no ranking qualitativo do cenário educacional e do cenário profissional. Os objetivos e fins estabelecidos pela legislação em vigor não são efetivados e as habilidades e competências dos egressos dos cursos de graduação não são totalmente construídas em decorrências de diversos fatores que dificultam o processo educacional no Ensino Superior. Segundo Ferraz e Pereira,
dentre as causas mais comumente identificadas como explicativas do insucesso acadêmico, destacam-se, como transversais, os fatores relacionados com o processo de transição/adaptação ao ambiente da Educação Superior, dos quais se salientam os problemas de natureza acadêmica (organização curricular, métodos de estudo, estresse e ansiedade aos exames, entre outros) e os fatores relacionados com o desenvolvimento pessoal. (FERRAZ e PEREIRA, 2002, p. 150)
Além de existirem fatores estruturais e organizacionais das Instituições de Ensino Superior e dos cursos de graduação, os estudantes têm a interferência de questões de natureza pessoal, profissional e porque não dizer afetivas, emocionais, familiares e sociais, relacionadas aos vínculos com a aprendizagem, como destacam Almeida e Silva.
A aprendizagem é um processo complexo, multifatorial, contextualizado e que pressupõem vínculos. Esses podem favorecer ou obstaculizar a aquisição, a manutenção, a transferência ou a ampliação de conhecimento sistematizado. Esse conhecimento é culturalmente construído e compartilhado, instrumentando o homem para o exercício da cidadania plena, comprometida e crítica, o que pode trazer satisfação e saúde mental. Para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem a sociedade cria instituições, prepara contingente humano e autoriza sua prática por agentes especialmente preparados para essa finalidade. Quando o vínculo com a aprendizagem é positivo favorece a curiosidade pelo saber, possibilita ao aprendente transformar o conhecimento cotidiano em conhecimento científico, e apropriar-se do mesmo de forma sistemática para aplicá-lo nas mais variadas situações. Pessoas que desenvolveram um bom vínculo com a aprendizagem apresentam condições para um adequado desempenho acadêmico, tornando prazerosas as situações de aprendizagem e as relações ligadas ao ato educativo, o que favorece o andamento da carreira acadêmica sem maiores obstáculos.
Contrariamente, quando esse vínculo está carregado de sentimentos negativos, frustração ou assemelhados, o desempenho acadêmico tende a apresentar resultados pouco eficientes para a obtenção dos objetivos educativos, criando um círculo vicioso que fragiliza a auto-estima, perturba o funcionamento pleno das funções psicológicas superiores, dificulta as relações sócio-afetivas e provoca novas frustrações, confirmando de forma perniciosa a profecia auto-realizada de fracasso escolar. (ALMEIDA e SILVA, 2005, p. 46)
Podem-se agregar a esse fato a volatilidade do mercado de trabalho e as incertezas quanto à projeção do curso escolhido em termos de empregabilidade, o que também contribui de maneira significativa para acentuar as pressões familiares e acadêmicas sobre os alunos do Ensino Superior, contribuindo para a construção de vínculos negativos, carregados de ansiedade, medo e culpa.
No contexto específico do curso de Direito, percebe-se que objetivos distintos impulsionaram os acadêmicos na escolha da graduação, até mesmo pela abertura profissional que o Direito propõe. Entretanto, as Instituições de Ensino Superior devem compor o currículo segundo orientações que estabelecem as diretrizes e os eixos de formação para o curso de graduação em Direito e isso, às vezes, não corresponde aos anseios profissionais e pessoais de alguns alunos, ocasionando uma desmotivação e um fator a mais para o insucesso acadêmico.
Em sua tese de doutorado, Chaleta apontou que os problemas de natureza acadêmica, tais como a falta de métodos de trabalho, estudo e de organização dos tempos e das tarefas atribuídas são responsáveis por uma boa parte dos níveis de insucesso registrados, o que foi corroborado pelas pesquisas de Almeida e Silva junto a alunos de curso superior:
As principais queixas trazidas foram a colocação da falta de hábitos de estudo sistematizado, desorganização no método e com materiais acadêmicos, cobrança excessiva quanto ao próprio desempenho, dificuldade de acompanhar o ritmo da turma, sensação de isolamento, inadequação e desejo de abandonar a prática educativa. Alguns colocaram que “não sabiam estudar”, pois nunca precisaram antes, sendo que a simples presença e atenção nas aulas era suficiente para alcançar êxito nas provas e trabalhos. Outros indicaram desmotivação quanto aos conteúdos estudados, não conseguindo relacioná-los com aspectos do cotidiano da profissão futura. (CHALETA, 2002, p. 112)
Tais estudos nos levam a pensar que uma formação docente adequada ao Ensino Superior seja capaz de atenuar tais interferências. A preparação dos professores que lecionam no primeiro ano da graduação é primordial sob o ponto de vista psicopedagógico: eles poderão, adotando a postura de ensino andragógica, contribuir para que os alunos criem métodos de estudo e pesquisa condizentes com o perfil e com a disponibilidade de tempo e recursos de cada um, de maneira autônoma, produtiva e criativa, ressignificando os vínculos com a aprendizagem.
Outra questão que interfere no processo de aprendizagem acadêmica é a bagagem intelectual que os alunos trazem da Educação Básica. Uma pesquisa realizada no site da Faculdade de Direito Promove, Instituição de Ensino Superior particular, revelou que mais de 80% dos alunos são egressos da escola pública. Esses estudantes refletem em sala de aula o legado de uma educação pública que há muito deixa a desejar. Os reflexos mais perceptíveis são a falta de motivação e de bases intelectuais anteriores, bem como dificuldades na leitura, compreensão e escrita, que podem igualmente ter consequências graves no sucesso acadêmico. Com relação a esse fator, as Instituições de Ensino Superior podem amenizar os efeitos ao propor disciplinas extracurriculares de nivelamento, monitorias, grupos de estudos ou estratégias afins. Isso seria eficaz na medida em que houver o interesse por parte do aluno em reconhecer tais deficiências. Segundo Tavares “as principais reflexões e ações sobre a temática da aprendizagem no Ensino Superior apontam para estratégias multifacetadas e globais, envolvendo todos os atores deste processo: docentes, alunos, currículos, instituições e contextos de aprendizagem” (TAVARES, 2008, p. 21).
Psicopedagogia na Educação Superior
Na atualidade, as Instituições de Educação Superior se preocupam com o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, almejando reconhecer o que dificulta ou contribui para o sucesso da educação profissional e, consequentemente, para a projeção dos egressos no mercado de trabalho. Essa preocupação vai ao encontro dos parâmetros de qualidade educacional definidos e avaliados pelo Ministério da Educação e das habilidades demandadas pelo mercado de trabalho. A busca por uma educação de excelência no Ensino Superior pressupõe, além de investimentos na infraestrutura, biblioteca e laboratórios, investimentos na formação docente e ações direcionadas ao desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos, campo de ação do psicopedagogo.
A aprendizagem, desde Vygotsky, Piaget e Wallon, é concebida como um processo de construção de conhecimentos e não meramente uma transmissão passiva dos mesmos. Pichon Riviére define aprendizagem como “apreensão instrumental da realidade”, o que se coaduna perfeitamente com as práticas andragógicas.
Além disso, a aprendizagem é influenciada pelo contexto no qual ela acontece e, especificamente, no contexto da Educação Superior, é permeada por fatores que interferem sobremaneira no cotidiano da sala de aula.
A Psicopedagogia é um campo de conhecimento e de atuação voltado para a compreensão do processo de aprendizagem humana. Procura identificar os problemas que possam ocorrer neste processo, a fim de auxiliar o sujeito em sua superação. Considera que todo ser humano, para aprender, põe em jogo três estruturas, a saber: o organismo, o corpo, a estrutura cognitiva e a estrutura dramática ou desejante. É preciso que as instituições educacionais, nos diversos níveis de ensino, possuam um profissional com competência para atuar junto aos professores e aos alunos mediando os problemas que possam vir a ocorrer na situação de ensino/aprendizagem.
Algumas instituições de ensino superior já iniciaram projetos desta natureza, criando setores psicopedagógicos voltados para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos, principalmente aqueles iniciantes. O relato de Almeida e Silva, com o trabalho realizado em Curitiba, é um exemplo deste tipo de ação.
Em Minas Gerais temos conhecimento da existência de setores psicopedagógicos no INATEL, em Santa Rita do Sapucaí, coordenado pela psicóloga e psicopedagoga Elza Maria Corrêa e pelo psicopedagogo Paulo Renato Abrahão. Eles realizam atividades com os alunos do ensino médio da rede pública da cidade, em termos de orientação profissional e dão suporte psicopedagógico aos que ingressam na instituição pelo vestibular. O setor é denominado Núcleo de Orientação Educacional – NOE – e oferece orientação psicopedagógica e psicológica aos estudantes, promovendo atividades de caráter comportamental e de incentivo ao desenvolvimento pessoal dos alunos. Também é responsável pelo Rito de Entrada, atividade que promove a interação dos calouros da instituição e o Rito de Saída, uma espécie de despedida realizada para os formandos. Além desse setor, a instituição também conta com o Núcleo de Orientação Didático-Pedagógica, que orienta metodológica, didática e pedagogicamente os docentes, instrutores e monitores da instituição.
Outra experiência deste tipo de trabalho ocorre na Faculdade de Direito do Sul de Minas, em Pouso Alegre, que também conta com uma Coordenadoria Psicopedagógica funcionando junto aos alunos, dirigida pela professora e psicopedagoga Maria Aparecida Silva Mariosa. Segundo as informações disponíveis no web site da instituição, a Coordenadoria Psicopedagógica é um órgão de apoio ao corpo docente e discente bem como aos funcionários dos setores administrativos da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Realiza o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica, utilizando métodos, instrumentos e técnicas próprias da psicopedagogia; proporciona medidas permanentes de atendimento aos alunos, incluindo orientação acadêmica no que diz respeito à sua vida escolar e à sua aprendizagem; proporciona atendimento aos professores no que diz respeito a esclarecimentos sobre a didática do ensino do Direito; atende aos funcionários com esclarecimentos; oferece acompanhamento didático pedagógico aos docentes; orienta trabalhos de pesquisa e oferece suporte técnico aos acadêmicos monografistas. A coordenadoria psicopedagógica trabalha de forma personalizada, assegurando o sigilo absoluto como forma de preservar a identidade do participante. Suas competências, no que se refere ao acadêmico, são:
- Ajudar o iniciante a aproveitar ao máximo seus estudos;
- Ajudar o ingressante a compreender a Faculdade e a se ajustar às novas condições de estudo;
- Localizar deficiências de formação do novato e providenciar atividades de nivelamento, a fim de que não venha a sentir maiores dificuldades em seus estudos;
- Cooperar na solução de possíveis dificuldades com colegas, professores e outras pessoas envolvidas no processo ensino-aprendizagem;
- Prestar esclarecimentos profissionais, ao acadêmico, com relação ao curso escolhido;
- Auxiliar o acadêmico das diferentes séries, na busca de solução, quando tem problema que afeta a sua progressão satisfatória em seus estudos;
- Registrar ocorrências sobre a vida escolar do discente, dando ciência ao mesmo;
- Realizar levantamento de atividades preventivas que se destinam a prevenir possíveis causas de insucesso escolar, geralmente, constatadas no ano anterior;
Conclusão
Pela pesquisa realizada e as teorias expostas neste artigo, podemos concluir que a inserção de uma visão psicopedagógica, acompanhada de práticas andragógicas no ensino superior, é uma necessidade para a diminuição das tensões e problemas que acontecem nesse âmbito de ensino.
Com os exemplos citados, vemos que a atuação psicopedagógica nas duas vertentes do processo de ensino/aprendizagem: docentes e alunos, pode se tornar realidade, dependendo da gestão educacional empreendida pela instituição. Se ela considera que a aprendizagem deve ser significativa para o aprendente mesmo no Ensino Superior, vai possibilitar a troca de experiências, a coerência com as expectativas do mercado de trabalho, a disponibilidade para resolver problemas e aprender novos assuntos, a articulação entre os conhecimentos que estão sendo construídos e aqueles que já foram adquiridos.
As Instituições de Ensino Superior que agem desta maneira pressupõem ainda que as teorias vão ganhando sentido quando são alocadas em contextos reais e nas interações com as práticas sociais e podem se transformar em práxis educativas inovadoras e renovadoras de esperanças e sucessos pessoais e profissionais.
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MINICURRÍCULO DO AUTOR
Mestre em Direito, Pós-Graduado em Direito de Empresa, Pós-Graduado em Gestão Educacional, Pós-Graduando em Psicopedagogia pela Universidade FUMEC e Graduado em Direito.